Doutorado em Filosofia e especialista, designadamente, em História da Cultura portuguesa, prof. (catedrático) da respeitada Universidade de Brown, Providence, EUA, ensaísta, ficcionista, cronista, conferencista e, como ele diz, ‘palrador’ (também contador de histórias e anedotas único), sempre em circulação pelo mundo, colaborador permanente do JL quase desde o início, Onésimo Teotónio Almeida, 69 anos, açoriano, acaba de publicar um novo livro: Despenteando Parágrafos. Título a que na página de rosto se acrescenta: “Polémicas Suaves”. Mais um volume da sua já larga bibliografia, no qual se reúnem 28 textos (alguns saídos aqui no JL) com uma diferença temporal, entre o mais antigo e o mais recente, de 35 anos. Mas ninguém, como o próprio autor, para falar desse livro.
Jornal de Letras: Este é um livro de grande diversidade temática. Quer explicá-lo?
Onésimo Teotónio Almeida: Começo por acentuar que não se trata de uma mera recolha de textos. De facto, ao escrevê-los, fui desde muito cedo pensando em reuni-los num volume cuja unidade residisse no facto de propor aos leitores um diálogo civilizado sobre ideias, centrado precisamente nelas mesmas, com a intenção de aprofundá-las devidamente seguindo as regras clássicas da busca de sólida argumentação, de fundamentação empírica quando é o caso, e de clareza de linguagem. Sem ter de necessariamente deixar de cultivar a boa forma literária da exposição – e sem ataques pessoais.
São preocupações minhas muito antigas, por sinal anteriores à minha vinda para os Estados Unidos. Sempre me incomodou a utilização que frequentemente vi intelectuais fazerem da linguagem como instrumento de poder, refugiando-se na obscuridade e no palavreado complexo e supostamente científico para criarem à sua volta uma aura de saber e, sobretudo, de superioridade. Confesso que detestei sempre essa atitude e desde jovem a satirizei de diversas formas. Portanto, todos estes textos do livro são marcados por este meu próprio modo de entender o diálogo intelectual que, em minha opinião, deveria sobretudo ser uma conversa séria, engajada e honesta, uma tentativa de, na troca de ideias, procurarmos um entendimento mais aprofundado dos problemas e da realidade que nos rodeia.
Mas, insistindo, são muito diversos os temas que aborda…
– Sim, todavia a abordagem é que é de facto o elemento unificador do livro. Ela é, creio eu, consistente e coerente ao longo dos 35 anos que medeiam entre o mais antigo e o mais recente dos textos do livro. A minha formação básica foi em Filosofia das Ciências Sociais e tenho toda a vida trabalhado na área da ideologia, mundividência e valores, quer em teoria, quer na prática, pois aplico esse treino ao caso específico da História da Cultura portuguesa. É um leque vasto, mas tem uma perspetiva central que espero ressalte claramente ao longo das páginas do Despenteando Parágrafos. Claro que ao leitor ajudará um pouco conhecer outros livros meus, em especial De Marx a Darwin – a desconfiança das ideologias (Gradiva, 2009), bem como vários dos ensaios sobre cultura portuguesa que fui espalhando por aqui e por ali e ainda não reuni em livro. Quer dizer: os textos deste livro são uma espécie de corolários de muitos escritos, publicados ao longo da minha vida, resultantes dos cursos que leciono e das muitas ‘palrações’ que vou fazendo. Não são ensaios filosóficos; são acima de tudo leituras críticas de textos de outros, informadas por esse pano de fundo que descrevi.
Em termos de importância, ou de preferência, destaca alguns textos deste livro?
É-me muito difícil fazer uma escolha. Tudo depende dos interesses dos leitores, das temáticas a que são mais sensíveis. Respondo, mesmo assim, baseando-me nas reações que tenho recebido. O primeiro texto da série (sobre “as excelências do bremontismo”) creio ser o pontapé de saída obrigatório, por dar o tom de toda a coletânea. Dali por diante, a ordem fica à escolha dos leitores. Creio que a diversidade oferece bastante para cada um optar pelo que o toca mais de perto. A expectativa, claro, é que depois de ler uns quantos capítulos queira aventurar-se pelos outros.
Os leitores do JL já conhecem, aliás, alguns destes textos…
Claro que sim. Oito dos 28 textos do livro foram antes publicados no JL, alguns logo nos primeiros números do jornal. Já ninguém se lembra deles e muita gente mais jovem nunca os enxergou. Só não publiquei mais no JL porque muitos excedem em dimensão as normas dos jornais de hoje. (No início, o jornal aceitava artigos de grande extensão, o que agora nos parece algo verdadeiramente estranho e insuportável. Mas há 35 anos era assim.)
Há uma questão de fundo que ressalta nas páginas do seu livro: uma crítica à Universidade e às Humanidades.
Absolutamente. A Universidade (generalizo, reconheço) como que abdicou do seu papel de formadora de base e hoje distrai-se ensinando superficialidades, sob o pretexto de que o novo ensino torna os alunos empregáveis. Deixou de ensiná-los a pensar, algo que se consegue através de um aturado e profundo treino em leitura e, sobretudo, na escrita. Esta última é, de longe, a melhor maneira de fazer alguém pensar criticamente. As Humanidades servem, ou deveriam servir, sobretudo para isso, mas hoje parece que se ensina tudo, justamente menos isso. O resultado é a superficialidade que por aí campeia, sem por isso deixar de se apresentar bem sonante. Meia dúzia de banalidades revestidas de jargão científico transformam qualquer um em perito encartado.
Não resistiu a deixar escapar o humor.
Claro que não. Há situações em que apenas parece restar-nos expô-las ao ridículo. Há quem prefira ignorá-las e há quem opte por recorrer ao sarcasmo. Eu dou-me ao trabalho pedagógico de tentar demonstrar nelas o vazio, a ignorância e, sobretudo, a arrogância e a presunção, se é o caso. Desconstruir parágrafos com um sorriso e revelar-lhes o oco parece-me a melhor maneira de lhes dar resposta.