Em 1968, Frank Zappa lançou um álbum intitulado We’re only in it for the money. A capa era uma paródia sobre a de Sargent Peppers, dos Beatles, que tinha sido lançado no ano anterior, só que com outras personalidades no fundo. No quarto álbum de Zappa estava logo exposta toda a irreverência, ecletismo e humor de um dos mais brilhantes músicos da segunda metade do século XX, transversal no seu sentido de ironia e apropriando-se dos mais diversos estilos, da música erudita ao mainstream, sem nunca perder a personalidade forte. E o que é que isto tem a ver com Virados do Avesso, o filme de Edgar Pêra? Quase nada. Mas, até certo ponto, Edgar Pêra é uma espécie de Frank Zappa do cinema português. Pioneiro e vanguardista, criou a ideia de self-made-cinema, elaborou uma semântica própria para depois fugir dela. Tem um dos maiores arquivos videográficos portugueses. Dezenas de filmes, entre curtas e longas, e, mais recentemente, tem-se dedicado ao 3D experimental, como pôde ser observado no DocLisboa, com o filme Lisbon 3D e, em Vila do Conde, com És a Nossa Fé, mostrando que se mantém com o mesmo espírito vanguardista e explorador. Pois o que leva Edgar Pêra, criador insubmisso, a assinar a realização de Virados do Avesso?
Sabe-se que, apesar de ter a sua assinatura na realização, este não é verdadeiramente um filme de Edgar Pêra, pois desvanece-se o grau da autoria. Ao contrário do que aconteceu em todos os filmes anteriores, desta feita Pêra entrou com o projeto já em andamento: já havia produtor, argumento, orçamento, atores. Pêra não é o dono do filme. Foi uma experiência mais próxima das práticas de Hollywood, que nos ajuda a refletir sobre quanto pode ser limitado o papel de um realizador num filme.
O argumento é muito mau, de um humor alarve, que não tem ponta por onde se lhe pegue. Ainda assim Edgar Pêra aceitou pegar-lhe, não só pelo dinheiro – acreditamos nós – mas também pelo desafio, de recriar-se num outro registo. Só que quando a matéria-prima é tão fraca não há Midas que a transforme. Apesar disso o único e relativo interesse que sobra do filme é identificar pormenores da linguagem de Pêra num contexto hostil. Ou seja, apesar do chão lamacento, o realizador ergue algumas estacas de autor. Tal nota-se logo no início, a velocidade da câmara, o filme começa com um ritmo alucinante, como se estivéssemos já a meio. O posicionamento da câmara de aí em diante é um dos pontos mais interessantes, que contorna os estereótipos do género, como é gritante quando filma o Barman, personagem interpretada por Rui Unas. Não obstante tudo redunda num filme de bola preta, de humor rasteiro, eminentemente machista, feito através de estereótipos, que nem sequer são habilmente retratados, não há sombra de subtexto ou subtileza. A personagem principal esqueceu-se de que era gay. Edgar Pêra esqueceu-se de que é um “herói independente”. E a nós resta-nos tentar esquecer este Virados do Avesso, na certeza que melhores filmes virão.