Oleg and the Rare Arts, de Andrés Duque
“É um filme que faz com que nos apeteça ver mais cinema”, diz, ao JL, Cíntia Gil, uma das diretoras do DocLisboa. E, assim sendo, é uma ótima forma de abrir o festival, convencendo o público a reincidir. O documentário centra-se na figura de Oleg Nikolaevitch Karavaychuk um virtuoso e excêntrico pianista russo, o único autorizado a tocar no piano do Czar Nicolau II, em pleno museu Hermitage, em São Petersburgo. Oleg tem uma história de vida peculiar, tendo-se mantido sempre mais identificado com o estilo palaciano anterior à revolução, foi proibido de tocar pelo regime soviético e só após a queda do regime lhes forma repostos os privilégios. O filme vale pela figura, ao mesmo tempo emocionante e cómica, e pelos motivos de rara beleza visual e sonoro, com enquadramentos que fazem transbordar as emoções.
Culturgest, dia 20, às 21 e 30
The War Game, Peter Watkins
O realizador homenageado do DocLisboa é uma das figuras mais subversiva do cinema britânico, aliando um experimentalismo formal, sendo dos primeiros a explorar a ideia de falso documentário, a um ativismo político de grande mordacidade. The War Game, de 1965, valeu-lhe um Oscar em Hollywood. Começou por ser uma encomenda da BBC, mas rapidamente a televisão estatal se desligou da produção. Em plena Guerra Fria, Watkins imagina que a III Guerra Mundial começou, não se sabe por culpa de quem. Em Inglaterra, o primeiro míssil cai em Kent, nos arredores de Londres. A partir daí, Watkins faz um documentário (falso) sobre a devastação, a miséria, o horror, a cavalgada trágica para o fim. O filme de menos de uma hora, mas que expõe toda a cruel subversão do realizador e não deixa ninguém indiferente.
Cinemateca, dia 20, às 21 e 30; dia 2, às 15
Lo and behold, Reveries of the Connected World, de Werner Herzog
Cada novo filme de Werner Herzog é um acontecimento extraordinário. Desta vez, o realizador alemão aborda algo tão complexo e dissiminado como a Internet. Admiravelmente, apesar da vastidão do sinal, Herzog tenta cercar o tema, abordando-o dos mais diversos pontos de vista, recolhendo depoimentos que indicam caminhos opostos, sempre com o acutilante sentido de humor. Tanto abraça a perspetiva histórica, visitando o computador inaugural da World Wild Web, como expõe os argumentos dos céticos: desde os perigos das radiação, a uma espécie de seita/cruzada antivirtual. Mais interessante talvez sejam a perspetiva futurista, em que Herzog indaga até onde pode ir a inteligência artificial e se autopropõe para viajar até Marte. Lo and Behold é uma inquietante e desconcertante reflexão sobre a evolução tecnológica num mundo em constante devir.
Culturgest, dia 22, às 19
Paris 15/16, de Teresa Villaverde
A próxima longa-metragem de Teresa Villaverde chama-se Colo e ainda não tem data de estreia em Portugal. Mas entretanto, enquanto preparava esse filme, a realizadora portuguesa morava em Paris, e passava todos os dias pela esplanada Le Petit Cambodge, onde decorreu parte dos terrível atentado terrorista de 13 de novembro. A realizadora foi filmando o local diariamente, desde os primeiros dias após o massacre, até à recolha das flores depositadas à sua frente para homenagear as vítimas. Um emocionante trabalho sobre o luto e a memória.
Culturgest, dia 23, às 17; São Jorge, dia 27, às 14
Cruzeiro Seixas – As Cartas do Rei Artur, de Cláudia Rita Oliveira
Em 2004, Miguel Gonçalves Mendes realizou um impressionante e impressivo documentário sobre Mário de Cesariny Vasconcelos intitulado Autografia. Agora o realizador, entretanto emigrado no Brasil, produz Cruzeiro Seixas – As Cartas do Rei Artur, de Cláudia Rita Oliveira, filme que de alguma forma completa ou complementa com outra perspetiva o anterior. Sobretudo porque, partindo das cartas que Cruzeiro Seixas trocou com Cesariny, transparece a ideia de uma forte obsessão e uma posição de subalternidade. Por vezes, dá a ideia de que a admiração por Cesariny quase o ofuscou e a grande luta do poeta e artista plástico terá sido o reconhecimento pelos seus pares e, sobretudo, por Mário. O filme que conta sobretudo com a presença e a voz de Cruzeiro Seixas consegue um ótimo rítmico, com boas soluções cinematográficas para expandir as idieas do texto. Artur Cruzeiro Seixas, 95 anos, estará presente na sessão que marca a estreia mundial deste documentário.
São Jorge, dia 23, às 18 e 45; Culturgest, dia 24, às 15.30
300 Miles, de Orwa Al Mokdad
Tal como o impressionante Água Prateada, de Wiam Bedirxan e Ossama Mohammed, o realizador de 300 Miles, encontra-se longe do sangrento conflito da sua terra natal. Em Água Prateada, Mohammed servia-se de imagens do youtube e da correspondência videofilmada com a curda Wiam Bedirxan para fazer um autorretrato da Síria. Aqui, Orwa Al Mokdad parte em busca das raízes últimas do conflito (indo dar inevitavelmente ao estado de Israel) à distância, servindo-se das imagens do seu irmão, líder de uma das milícias de resistência em combate ao regime de Assad que, com o tempo, passa a combater igualmente o Daesh. Capta assim as imagens mais terríveis, só possíveis por quem está realmente no campo de batalha. Um filme de guerra com um inequívoco realismo que nos deixa de respiração cortada.
Culturgest, dia 23, s 21 e 30
Manoel de Oliveira: 50 Anos de Carreira, de José Nascimento, Augusto M. Seabra
Augusto M. Seabra é uma das principais figuras da história do DocLisboa, não enquanto autor, mas enquanto programador, tendo mesmo criado e recriado uma secção chamada Riscos, que é um dos elementos definidores da identidade do festival. Este ano, M. Seabara interrompe o seu auxílio como programador, para abrir ele próprio a secção riscos, com um filme assinado em parceira com José Nascimento. O filme, datado de 1981, tem como partida uma conversa que, em parte, foi utilizada na obra testamentária de Oliveria, Memórias e Confissões. É uma reflexão sobre o seu cinema, onde são apresentados vários projetos de um cineasta, na altura, com 73 anos, mas que, como se sabe, ainda tinha uma longa carreira pela frente. Esta obra coincide com o ciclo dedicado a Oliveira pelo Cinema Ideal, que tem como ponto alto a estreia comercial de O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu, de João Botelho.
Culturgest, dia 24, às 19.00
Austerlitz, de Sergei Loznitsa
Não, este não é mais um filme sobre Auscwitz, se bem que o tema seja inesgotável e sempre pertinente, no sentido de evitar o apagamento ou apaziguamento da memória. No filme de Lozniotsa acrescenta-se uma camada ao tema, de alguma forma, passa a ser a própria memória e a nossa relação com ela através do turismo. Usando uma forma e uma sensibilidade semelhante a outros documentário seus, como A Praça (sobre as manifestações em Kiev), ou até O Milagre de Santo António (sobre uma romaria em Portugal), mostra-nos o turismo massificado no campo de concentração na Polónia, sem a necessidade de introduzir qualquer palavra, basta-lhe oferecer-nos os seu olhar. E esse é cinema em estado puro. O que ele observa, sem julgamento moral, é uma massa disforme que invade um espaço, entre o constrangimento e o espírito de parque temático. Guias turísticos exibem teorias sobre o sucedido, alguns visitantes comovem-se, outros tiram selfies, alguns saem cabisbaixos, quase todos com pressa, outros sorrindo, talvez de alívio. Auscwitz é mais um belo exemplo da crueza, objetividade e sensibilidade poética de Loznitsa, sem dúvida um dos grandes nomes do cinema contemporâneo. Ironicamente, usa como título do filme a estação de comboios de Paris, de onde partiram algumas das vítimas do campo de concentração… e também alguns destes turistas.
Culturgest, dia 27, às 21 e 15; São Jorge, dia 29, Às 16 e 30
Rocco, de Thierry Demaizière, Alban Teurlai
A secção Heartbeat visa explorar a relação entre o cinema documental e outras artes, mas por força da produção acaba por se centrar maioritariamente na música. Este Rocco aparece assim como uma ousada carta fora do baralho. Rocco Sigfreddi é um dos mais famosos atores pornográficos da indústria italiana. O filme acompanha Rocco na rodagem do seu derradeiro filme. Mas o que faz, na verdade, mais do que dar a conhecer o homem que está por detrás do falo, é revelar um pouco dos bastidores do cinema pornográfico, desde as relações humanas e profissionais entre atores, à sua vida privada, passando necessariamente pelas ligações com a produção e a realização. Um fascinante documentário sobre um universo particular cheio de códigos e preceitos.
Culturgest, dia 27, às 21.30; São Jorge, dia 29, às 22
Nos Interstícios da Realidade ou o Cinema de António de Macedo, de João Monteiro
Se não valesse por mais nada, o filme de João Monteiro valeria por incluir a derradeira entrevista de Fernando Lopes. Nos Interstícios da Realidade ou o Cinema de António de Macedo conta, em certa medida, uma história alternativa do cinema português que passa, em grande parte, pelos filmes que não foram feitos. António de Macedo foi um vanguardista do cinema português de 70. O seu filme Domingo à Tarde, juntamente com Verdes Anos, de Paulo Rocha, fundou o movimento cinema novo em Portugal. Mas, ao contrário dos seus contemporâneos, quis a sorte ou o destino que a sua carreira fosse curta e incompreendida. Na verdade, a curta longevidade do cinema de António de Macedo é um dos grandes mistérios da história do cinema em Portugal. Este filme ajuda a desvendá-la. Inclui depoimentos de António Cunha Teles, Seixas Santos, António Pedro Vasconcelos, assim como de cineastas de outras gerações, que o reconhecem como referência, os casos de Edgar Pêra e João Salaviza.
Culturgest, dia 29 de outubro, às 21 JL