O quadro, como o título indica, é uma paisagem; quero dizer, está sujeito, antes de mais, às regras abstractas da pintura. Depois, vem o reconhecimento possível da sua imagem como Bandeira e, no seu projecto, se alguma consideração pesou, foi o facto de que, sem a mancha negra que come, como uma nuvem, um bocado do sol, a paisagem seria paradisíaca; pouco conforme pois, com as vicissitudes da instituição republicana através do tempo.
Agora que o quadro está pintado e o observo relativamente destacado, posso pensar, como qualquer cidadão, sobre a República.
Na verdade, julgo que as vicissitudes a que me refiro, abrangem três Repúblicas.A primeira foi marcada por assassinatos políticos, inclusive o de Machado dos Santos, seufundador afinal, e pelos terríveis recontros de rua, nos quais morreu muita gente.A segunda foi marcada pelos 40 anos da ditadura salazarista e pela Guerra Colonial.
A terceira está marcada pelas tragédias da descolonização e pela corrupção que desvirtua o sentido libertador do 25 de Abril. Todavia, a instituição republicana sobreviveu, mesmo na II República.
A Oposição apresentou, então, por diversas vezes, listas de deputados e também candidatos à presidência que incluíram três oficiais generais. O último, General Delgado, sacrificou, como ele disse, as suas estrelas e, como sabemos, sacrificou, depois, a vida.
A esta última candidatura intervencionista, em 58, seguiu-se, em 61, a apresentação, por um vasto sector oposicionista, de um “Programa para a Democratização da República”, no qual, no domínio da legalidade, se anunciava, pela primeira vez creio, uma posição divergente relativamente à manutenção do “Ultramar”.
Assim, a meu ver, o pendor republicano do regime salazarista manteve-se graças à acção persistente das forças oposicionistas. É possível que estas recordações do meu tempo de “seareiro” tenham pesado no espírito com que elaborei o meu quadro.
Em última análise, parece-me que a pintura contém um aviso ao poder: poder económico, político, militar, religioso, no sentido de que o negrume pode tapar o sol ainda de esperança e extinguir não só a liberdade, mas a identidade dos portugueses.