Na madrugada de 5 de Outubro de 1910, a monarquia que, em Portugal, se prolongara por mais de sete séculos foi derrubada em poucas horas. Para compreender melhor a vitória retumbante das forças republicanas, Ernesto Rodrigues, 56 anos, acaba de publicar, na Gradiva,
5 de Outubro – uma Reconstituição (252 pp,14 euros). Professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ficcionista, poeta e tradutor de húngaro, o autor faz, assim, uma incursão na História, uma disciplina que o apaixona desde sempre.
Jornal de Letras: o que o levou a fazer uma reconstituição, quase ao minuto, da revolução de 5 de Outubro?
Ernesto Rodrigues: Foi um convite de Guilherme Valente, da Gradiva, que aceitei com muito gosto porque senti a necessidade de esclarecer, com todos os pormenores, quase minuto, como diz, o quadro histórico em que eclodiu a revolução republicana.
O que levou um escritor e professor de Literatura a “aventurar-se” na área da História?
Sou doutorado em Cultura Portuguesa, que, obviamente, só se pode compreender à luz da História. Como ficcionista, em obras como A Serpente de Bronze e A Torre de Dona Chama, sempre dei conta desse fascínio pela História. Por outro lado, a maior parte dos textos e autores antologiados, sejam jornalísticos ou literários propriamente ditos, são de grande valia estética. São os casos de João Chagas (com Cartas Políticas e o Diário), Brito Camacho (com Ao de Leve e Nas Horas Calmas), Raul Brandão (Memórias) ou Fialho de Almeida (Os Gatos), por exemplo. E, claro, Aquilino Ribeiro que foi também um interveniente nos acontecimentos. Do lado monárquico, há que destacar Carlos Malheiro Dias, que escreveu Ciclorama Crítico de um Tempo, Em Redor de um Grande Drama e Entre Precipícios.
Considera então o princípio do século XX português bastante interessante do ponto de vista literário?
Sem dúvida. Basta dizer-lhe, a título de exemplo, que Fernando Pessoa, então muito jovem, despertou para a questão nacional em reacção à ditadura de João Franco, último presidente do Conmselho de Ministros de D. Carlos.
Uma vez concluído este trabalho, mudou a sua percepção do período histórico em causa?Não sei se mudou, mas fiquei com impressionado por exemplos de coragem de ambos os lados da barricada: Machado dos Santos, José Relvas e João Chagas, pelos republicanos, e Paiva Couceiro, pela monarquia. Infelizmente estes exemplos não frutificaram. As várias facções que pululavam dentro do Partido Republicano Português degeneraram na fragmentação desta estrutura logo em 1911.