Porque não falei até agora destas iniciativas? Dois motivos. A periodicidade dos textos desaconselha referir algo muito localizado no tempo. E, verdade seja dita, nenhuma das coleções era, ou novidade, ou particularmente inspiradora (ou ambas as coisas); e leituras pontuais confirmaram isso mesmo. Mas todos os hábitos existem para ser quebrados, e a excelentemente produzida coleção “Novela Gráfica” Levoir/Público merece os maiores elogios, também porque se prevê que a venda no mercado livreiro posterior à distribuição com o jornal possa até ser superior à venda em banca.
O meio nacional de BD é pequeno, mas (muito) variado, e difícil de satisfazer. Esta coleção pode, por exemplo, ser caraterizada como “intelectual”, o que é verdade. E, obviamente, óptimo! Farto de ouvir falar nos (supostos) facilitismos na leitura de BD ando eu. Isso quer dizer que é composta por obras exigentes, nem sempre fáceis, e representa uma notável oportunidade para dar a conhecer livros que revelam diferentes maneiras de elevar a linguagem. Podiam ser outros? Naturalmente que sim, cada um faria uma coleção diferente, e tudo depende também de questões práticas. A coleção devia ter outro nome? Pois devia, a tradução do termo norte-americano “Graphic Novel”, cunhado precisamente para classificar obras mais adultas e fugir à conotação inevitável da palavra “Comics”, seria “Romance Gráfico”; “Novela” tem outra conotação em português. Mas, que diabo, isto não são pormenores? Não interessam os livros? E sobretudo que esta coleção possa dar origem a outras que, salvo o devido respeito, não sejam maioritariamente compostas por obras produzidas (de forma muito competente) a metro, e que apenas prolongam universos e soluções narrativas cansadas na sua tipificação?
O importante são pois os doze Romances Gráficos em causa. “Um contrato com Deus” de Will Eisner e “O Livro de Mr. Natural” de Robert Crumb (norte-americanos); “A louca do Sacré-Coeur” de Moebius e Jodorowsky; “A viagem” de Edmond Baudoin, “Foi Assim a Guerra das Trincheiras” de Jacques Tardi e “Em busca de Peter Pan” de Cosey (francófonos); “Sharaz-de” do italiano Sergio Toppi, “A arte de voar” dos espanhóis Antonio Altarriba e Kim, “Beterraba” do português Miguel Rocha; “Mort Cinder” dos argentinos Hector Oestelheld e Alberto Breccia, “Bando de dois” do brasileiro Danilo Beyruth, e “O diário do meu pai” do japonês Jirô Taniguchi. Ufa… Diferentes épocas, diferentes escolas, diferentes estilos. Quais valem a pena? Todos os que não conhecer. A sério. Da revisitação destrambelhada dos anos 1960-70 de Moebius/Jodorowsky e Crumb; à crise de meia-idade de Baudoin; ao cultivar da memória (real ou fictícia) em Taniguchi ou Cosey, e Tardi (Primeira Guerra Mundial) ou Altarriba/Kim (Guerra Civil Espanhola); às alegorias mitológicas de Toppi, da vida em comunidade de Eisner e Rocha, ou da vida em ditadura dos argentinos Oesterheld/Breccia. Só não conheço Beyruth, e é precisamente por isso que está no topo da minha lista pessoal.
A coleção “Novela Gráfica” Levoir/Público é uma oportunidade achada, a não perder.
Coleção Novela Gráfica. Argumentos e desenhos de vários autores. Levoir/Público. 9.90 Euros cada