A partir do romance de Luiz Ruffato, José Barahona, Estive no Brasil e Lembrei de Você conta a história de um imigrante brasileiro em Portugal. Filmado em estilo documental, com produção luso-brasileira, o filme mostra o outro lado da emigração, revelando quanto o “sonho português” se pode revelar um pesadelo. O realizador português vive e trabalha há três anos no Rio de Janeiro.
Jornal de Letras – O filme dá a sensação de ir espreitar o que se passa do lado de lá. Houve essa intenção?
José Barahona – Sim. Queria saber o que levava as pessoas a irem para Lisboa. O que lhes acontecia. São histórias de vida normais. O fulano que tem problemas no casamento, perde o emprego e ouve de falar de Lisboa como uma salvação. É curioso que, no Brasil, atualmente, com a crise, volta-se a falar de Portugal como uma saída, sobretudo a classe média-alta.
Esse é o sonho português… O seu filme revela um conhecimento profundo e real sobre o Brasil, faz da sua Lisboa um lugar estranho. Foi difícil?
É um exercício. E é verdade que, como já estou no Brasil há algum tempo, quando vou a Lisboa começo a estranhar a cidade. Mas tive que fazer esse exercício de me colocar no olhar de quem vê pela primeira vez Lisboa. Claro que o ator, que só tinha estado uma vez em Lisboa, ajudou. Juntos construímos essa estranheza. Ainda por cima é a perspetiva de alguém de uma outra classe social. Eu já tinha feito um pequeno documentário para a televisão brasileira sobre os emigrantes brasileiros em Lisboa que queriam regressar ao Brasil por causa da crise. Encontrei casos dramáticos. Isso ajudou-me muito a construir o personagem.
Um espelho das histórias dos nossos emigrantes?
Mesmo assim, julgo que, em geral, esses emigrantes “franceses” foram mais bem sucedidos do que estes imigrantes brasileiros em Lisboa. Com a crise não conseguiram chegar a esse patamar que possibilitava fazer uma vida mais de classe média.
Como foi a adaptação do livro?
O filme partiu do livro. Alguém me mostrou o livro, eu li e achei que me interessava. Quis fazer uma coisa muito documental. O livro tem alguma coisa de autobiográfica. Luiz Ruffato é mesmo daquela cidade. E a maior parte dos emigrantes são de Minas, mas na cidade Cataguazes curisamente isso não aconteceu muito. Usei atores amadores de Cataguazes para trazer a vivência da cidade para o filme. E o doutor é mesmo uma personagem dali. Sentei-o naquela poltrona, deixei-o falar como se fosse um documentário e depois cortei. Em Lisboa encontrei mais personagens. O dono da pensão é mesmo o dono da pensão. O senhor Alexandre também faz de si próprio e aquela é a história dele. Não é a história que está no livro mais é semelhante
Foi por essa semelhança ao documentário que colocou a personagem a falar diretamente para a câmara?
No início pensei em fazer um falso documentário ele ter aquele olhar a razar a câmara. Pensei fazer isso. Mas em determinada altura achei que não queria fazer um filme sobre o cinema. Por isso resolvi fazer o monólogo do Sérgio diretamente para o espectador. isto também porque o Ruffato já brinca com isto. Diz que conheceu o Sérgio em Lisboa e que gravou uma conversa com ele e o livro é a transcrição da conversa. A adaptação para cinema deste recurso literário é o olhar para a câmara. Depois comecei a procurar referências e dei com o Saraband, de Bergman. Em que o filme começa e acaba com a Liv Ullmann a olhar para a câmara.
E agora, próximo projetos?
Tenho sempre muitos… Neste momento tenho dois projetos. Um documentário sobre Nhen Gatu, a língua geral da amazónia, que os portugueses levaram da costa para o interior. Foi uma das línguas mais faladas do Brasil até que o Marquês de Pombal a proibiu. Mas ainda hoje há um município no norte da amazónia onde a língua se fala. Pegando nisto, a fazer um documentário que é a subida pelo rio negro, em busca dessa língua, como se fosse o el dorado.Tenho feito muita coisa na perspetiva da história de Portugal e no Brasil.
E o outro projeto?
Uma ficção sobre um naufrágio de um navio negreiro, que tem como personagem principal Fradique Mendes, do Eça de Queirós. O José Eduardo Agualusa rebuscou o Fradique Mendes no Nação Crioula e conta que ele fugiu e se apaixonou por uma escrava angolana para o Brasil e foi perseguido pelos esclavagista, fugiu do Brasil e o navio naufragou. Aí começa a história. Os escravos estão em maior número do que os brancos, há uma inversão de poder.