Ainda não tinha anoitecido em Alcântara e a azáfama já era grande. Ao entrar pela porta da cozinha, via-se um grupo de voluntários que preparava travessas com coxas de frango para mais de 100 pessoas. A celebração estava longe de começar e já tinha todos os ingredientes para marcar a diferença: uma festa de anos em que o aniversariante e os seus convidados se preparavam para oferecer o jantar a pessoas carenciadas.
O aniversariante era Rafael Nacif, sócio da empresa de investimentos Patagora, mas também voluntário da associação Serve the City.
“Conhecemo-los pelas suas necessidades? E se os conhecêssemos pelo seu nome?” É segundo esta máxima que os membros desta organização social trabalham. Rafael Nacif quis comemorar o seu 36.º aniversário de uma forma “que tivesse sentido” e decidiu aliar a sua empresa à instituição. Como? Organizando uma festa de anos com o apoio dos voluntários da Serve the City capaz de sentar à mesma mesa empresários, advogados, estudantes e pessoas em situações de vulnerabilidade social. “Infelizmente, a sociedade separa as pessoas pelo estatuto social e pelo dinheiro que têm. Estamos em situações diferentes na vida, mas somos todos seres humanos”, esclarece o empresário.
Um rolo de fita adesiva e uma caneta atenuavam as diferenças e ajudavam a quebrar o gelo. Todos os participantes no jantar, cerca de 150, tinham o nome colado ao peito. Tim Vieira, um dos investidores da primeira temporada do programa Shark Tank, era um deles. Em entrevista à VISÃO Solidária, o ex-tubarão explica que “é em noites como a que está a acontecer que vemos que as pessoas são mesmo dadas”. O luso-descendente confessa que toda a sua equipa ficou entusiasmada com o evento e que “é espetacular quando há comida, futebol e pessoas a dar”.
Criar pontes
Preocupado em demarcar-se da imagem de organizador de “jantares de sem-abrigo”, o presidente da Serve the City, Alfredo Abreu, realça que “o objetivo é ser o mais próximo possível de um restaurante”. Às 19h30, os voluntários e os convidados puseram mãos à obra, dividiram-se em equipas e transformaram o refeitório municipal num restaurante. Advogados e estudantes sentaram-se à mesa com imigrantes em situações de risco ou sem-abrigo.
“Há pessoas que vivem separadas por linhas invisíveis na cidade. Nós criamos pontes”, refere Alfredo Abreu. Entre conversas sobre as sobremesas ou os ossos que tinham de guardar para o cão no final, as pontes foram-se construindo. “Podias escrever um best seller com a minha história”, ouvia-se de um lado da mesa. “Tenho uma filha com a tua idade. Não me deixam vê-la por causa dos problemas que tive com a droga”, alguém dizia do outro.
Questionado sobre o impacto do projeto, o responsável da organização diz que “quem vem pela primeira vez vem com preconceito”. Alfredo Abreu diz ser “natural que se formule na nossa cabeça uma ideia daquilo que são sem-abrigo mas, ao chegarmos aqui e convivermos com eles a noite inteira, acabamos por nos conhecer pelo nome”.
Estes momentos foram retratados por Nelson Paciência, um dos urban sketchers (ilustrador urbano) que estava no jantar. “Adoro desenhar pessoas. Estou no sítio certo para encontrar histórias e contá-las no meu caderno”. O refeitório municipal encheu-se de pessoas e histórias capazes de enriquecer cadernos, livros, sites… e corações.