Foi Andy Warhol que disse, em 1968, que no futuro todos terão os seus 15 minutos de fama. Mal sabia ele que, uns anos mais tarde, chegaria uma coisa chama internet e que revolucionaria completamente o conceito de popularidade, primeiro com os blogues e depois com o Facebook, Twitter e Instagram. Estamos num mundo novo, onde a blogger Ana Garcia Martins, mais conhecida por Pipoca Mais Doce, e o facebooker Miguel Somsen se movem como ninguém. “Digipop: no mundo da popularidade instantânea” deu o mote para uma conversa que decorreu na Praça Central do Colombo este fim de semana, e que foi moderada pela diretora da VISÃO, Mafalda Anjos.
Apesar de ter um dos primeiros blogues populares portugueses, na área da moda e lifestyle, chamado A Pipoca Mais Doce (fundado há quase 15 anos), 260 mil seguidores no Facebook e 220 mil seguidores no Instagram, Ana ainda não escreve blogger quando tem de preencher um formulário “ainda me parece estranho assumir isto como profissão, apesar de ser o que eu faço. Como tenho uma empresa, ponho empresária”. Tudo começou por uma brincadeira, porque “gostava muito de escrever” e encontrou ali “ a plataforma perfeita para divagar sobre todos os assuntos que vinham à cabeça”. No fundo, “uma extensão de um diário” que veio a transforma-se num negócio.
Miguel Somsen também usa o Facebook, onde tem mais de 22 mil seguidores, como uma espécie de diário. É copywritter na TVI, mas recolheu uma série de fãs, com os seus comentários mordazes à atualidade, muitas vezes em forma de fotolegenda, e os seus resumos da semana para totós. Sublinha que o conceito “instantâneo é enganador”, no caso de ambos nada aconteceu de um dia para o outro. “Tal como a Pipoca que esteve muitos anos a trabalhar antes de chegar aqui, há um fim de linha para o jornalismo que começa a ser o início de linha para os blogues e para as redes sociais”. “Eu vivia obcecado com a atualidade e encontrei no Facebook um espaço que me permitia escrever tudo aquilo que eu queria. Um diário onde registava as minhas impressões pessoais”, recorda. E depois, assume que é um provocador. “Gosto de provocar as pessoas, mesmo nos temas mais quentes.”
Ana tem a palavra sarcasmo como imagem de capa e gosta de abusar do humor. Mas já teve muitos dissabores. “Há um moralismo que impera nas redes sociais. Estão todos à procura do próximo motivo para nos indignarmos. A indignação prolifera nas redes”. E é difícil “ir contra a corrente e contra o que é comummente aceite”, assume. “Prefiro até já muitas vezes nem emitir uma opinião porque já sei que as reações são tão extremadas, polarizadas e agressivas que já dou por mim a preferir ficar calada. Se o preço a pagar pela minha paz de espírito, às vezes prefiro estar. Já cheguei a esta fase, já não tenho idade”, brinca.
No caso de Somsen, é diferente: “As pessoas indignam-se quando a opinião não é clara, não é vincada ou o texto não é claro. Ou és Costa ou Passos Coelho, ou és Sporting ou és Benfica ou és do Porto, e cria-se uma pressão”. Tudo tem de ser a preto e branco, como se não existissem zonas cinzentas.
Lidar com os haters é outro desafio. “Há sempre alguém a manifestar-se de forma muito exagerada, a ser insultuoso e a agredir-me de alguma maneira. Já estou muito habituada a isto. E na maior parte das vezes apago e sigo com a minha vida, já não me consome”, explica Ana Garcia Martins. Mas reserva-se o direito de bloquear as pessoas que excedem os limites.
Miguel sublinha que o ambiente hoje está minado pelo politicante correto. Mesmo quando escreve sobre algo tão simples como comida. “Sempre que escrevo sobre uma nova gastronomia vem sempre perguntar então e a gastronomia portuguesa, nós temos a francesinha que é uma coisa tão boa! Logo a francesinha que é uma cópia…”
Uma ideia que Ana confirma e que já sentiu na pele muitas vezes. “O problema é que hoje toda a gente se sente um herói atrás do seu ecrã. Toda a gente tem uma opinião muito vincada sobre o que quer que seja, pessoas que se calhar não votam, nãos e envolve de maneira nenhuma em qualquer causa social, cívica ou solidária, e atrás do seu ecrã têm uma opinião sobre tudo, fazem e acontecem. As caixas de comentários são um ótimo barómetro para avaliar a sociedade. As pessoas pensam efetivamente assim, se calhar no dia a dia têm de ser mais comedidas, mas ali depositam todas as suas frustrações e os seus ódios. Em qualquer assunto, por mais inócuo que seja, as pessoas vão sempre arranjar maneira de se chatear”
No mundo dos blogues e redes, ambos concordam que faz falta mais transparência sobre o que é uma parceria comercial ou post patrocinado ou uma simples opinião desinteressada. Miguel não tem parcerias comerciais e escreve apenas sobre o que gosta e não gosta, Ana tenta fazê-lo de forma assumida. “Não havendo regulamentação, que acho que devia haver, tento defender-me de duas formas. Uma identificando todos os conteúdos publicitários, sobretudo no blogue, e há muita gente que não o faz ou fá-lo mal porque é muito óbvio o que é uma parceria paga, e a outra forma é aliando-me apenas a marcas nas quais eu acredito. Todos os dias digo que não a marcas nas quais não me revejo e que não usaria“
Miguel diz que “vivemos obcecados com a popularidade”, mas que tenta não pensar nisso em relação á sua pessoa. Acredita mesmo que ele próprio pode ser “um produto pop, que só dura até as pessoas se fartarem” dele. “Não há volta a dar, as redes sociais têm a ver com vaidade e com o feedback imediato que existe. Fico muito dececionado se escrevo qualquer coisa e recebo 15 ou 20 likes”, assume. A Ana também fica triste, Às vezes dedico-me a escrever sobre um tema importante e relevante e as pessoas não reagem nada, faço um sobre sapatos e uma coisa completamente fútil, e de repente tem mil comentários”. E o problema de as pessoas lerem tudo pela rama. São preguiçosas, não leem e só querem a informação mastigada e pronta a consumir.
E o futuro, como será? Têm fé na humanidade ou as redes vão transformar-se numa ainda a maior destilaria de ódio? “Já vejo muita gente a sair do Facebook. Penso que terá de se adaptar e fazer as alterações que tem a fazer. Sou um otimista por natureza.” Já a Ana, gostava que isso acontecesse, mas tem desejos pessoais mais prosaicos. “Espero apenas ganhar o Euromilhões para me poder desligar de todas as sociais e desaparecer”. A tirada arrancou um sorriso a todos na sala, mas é bem sintomática dos novos tempos e profissões.