Saiba aqui tudo sobre as Conferências do Estoril
No primeiro encontro público entre Joana Marques Vidal e Francisca Van Dunem desde que a primeira não foi reconduzida no cargo de Procuradora-Geral da República por decisão do Presidente da República, com o acordo do Governo, o que sobressaiu nas Conferências do Estoril não foi um clima de picardia entre duas das mulheres mais conhecidas da Justiça portuguesa, mas as palavras de Joana Marques Vidal sobre os perigos de se deixar o combate à corrupção para alguns movimentos populistas: “O poder político e os agentes políticos partidários têm de assumir a luta contra a corrupção e a transparência como uma questão essencial do estado de direito democrático. Não podemos descansar na ideia de que a luta contra a corrupção depende da eficácia dos tribunais. Não podemos deixar que sejam só os movimentos autoritários populistas a usarem o tema da corrupção como bandeira.”
Para a mulher que liderou o Ministério Público numa época marcada por grandes casos de corrupção como a Operação Marquês ou o Caso BES/GES, as leis e os meios que existem são suficientes “para atingirmos melhores resultados do que os que estamos a atingir” e é “importante repensar os modelos de julgamento”. “A preparação das fases processuais da instrução e do julgamento têm de ser feitas de outra forma”, defende a ex-Procuradora Geral da República.
Questionada sobre se teria conseguido fazer muito mais a nível de investigação criminal se pudesse fazer uso de uma figura jurídica como a delação premiada, a procuradora que hoje assume funções no Tribunal Constitucional assumiu que não a defende nos termos em que ela existe no Brasil mas defendeu que esse é um debate que terá de ser feito a curto prazo: “Acho que é possível avançar muito nesse aspecto. A nível europeu acabou de ser aprovada uma directiva de proteção de denunciantes. Esse é um debate que vai ser muito próximo e nós temos condições para o fazer. Mesmo no Brasil não basta chegar alguém e enfiar o que se passa. É um contributo que depois tem de ser comprovado por outros meios de prova.” Para Joana Marques Vidal, mais cedo ou mais tarde esse debate terá de ser feito: “Eu e a sra. ministra [da Justiça] somos da mesma geração. Para nós, um homicídio, há 40 anos, era um crime de difícil investigação. Agora não, o mundo mudou completamente. Atualmente, num crime financeiro, temos de ter uma visão mais sistémica.
Claro que temos de pensar: até onde é que nós vamos para salvaguardar os direitos fundamentais? Isto preocupa-me.”
No mesmo painel sobre “Democracia e a Luta Contra a Corrupção”, Francisca Van Dunem não fechou as portas ao debate sobre medidas de delação premiada mas rejeitou a possibilidade de fazer alterações à Constituição: “As democracias têm de respeitar a Constituição. Dar um salto ao nível da Constituição para coisas que não estão objetivamente demonstradas…” Lembrou que em Portugal já existe um direito premial, “mas apenas para a pequena criminalidade, não para a grande corrupção. Prevê apenas a possibilidade de redução da pena, pelo que a insegurança em relação a essa actividade colaborativa diminui a possibilidade de ser mais vezes usada. Estamos a trabalhar nisso. Precisamos de discuti-lo.”
A ministra da Justiça admite que no campo do combate à corrupção Portugal enfrenta algumas dificuldades “a nível do julgamento” – “O processo penal tem de ser visto numa perspectiva sistémica, e no nosso sistema penal não temos especialização nos julgamentos” – e também defendeu que o quadro legislativo em Portugal “precisa de aperfeiçoamentos” mas “o que temos já nos permite fazer muito do que não fazemos”: “Sempre entendi e defendi que em Portugal se legislava em excesso.”
Para Francisca Van Dunem, os países com maiores índices de transparência e menores índices de corrupção mostram a importância da prevenção e de “mecanismos de controlo adequados”: “É importantíssimo aumentar a transparência dos procedimentos e dos dinheiros públicos.”
Janine Lélis, ministra da Justiça de Cabo Verde, congratulou-se por não ter naquele país muitos casos famosos de corrupção. “Temos um, que tem chegado à imprensa, e há muita pressão da sociedade para que haja celeridade no desfecho desse caso.” Amina Touré, ex-primeira-ministra do Senegal a quem coube as honras de abrir o painel, defendeu que “os Estados têm de encontrar ferramentas para combater a corrupção, o que é cada vez mais difícil com os paraísos fiscais. Tem de haver muita cooperação internacional. Estamos a enfrentar muitas forças organizadas e precisamos de trabalhar juntos.”