A justiça é uma daquelas áreas que tem escapado ao impacto dos dados e da tecnologia. É uma ciência de argumentos, persuasão, emoção e juízos humanos. E isto não será alterado nas próximas décadas sem uma garantia inabalável de confiança por parte de quem fornece serviços tecnológicos. Os advogados vivem da confiança que oferecem aos seus clientes e não gostam de ser enganados quando falamos das reais capacidades da computação no nosso tempo.
Por mais imaginativa que tenha sido a evolução tecnológica, ainda não é possível arquitetar qualquer inteligência artificial que se assemelhe aos humanos. Nem, tão pouco, o sistema binário está preparado para fazer correr algoritmos capazes desse tipo de proeza. Estamos muito longe de poder vender a uma firma de advogados um conjunto de ferramentas baseadas em inteligência artificial que pudessem recriar o pensamento humano, os seus sentimentos e as suas emoções.
Mas o futuro das profissões jurídicas não deixa de ser, mesmo assim, extraordinário. Não estamos no tempo da inteligência artificial, mas estamos no tempo da inteligência aumentada. É possível construirmos máquinas preditivas, trabalhar com realidade virtual, observar as potencialidades do Machine Learning e até nos podemos atrever a antecipar as capacidades da computação quântica e dos seus Qubits.
Com a inteligência que temos disponível hoje, as firmas de advogados já são capazes de transformar a experiência dos seus clientes e aumentar a performance dos seus advogados. Já estamos a observar o nascimento de novas ideias e indústrias, como a recriação de cenários do crime, com recurso a realidade aumentada, a possibilidade dos julgamentos virtuais e a predição de padrões factuais de sentenças anteriores. As pequenas firmas não vão querer ficar para trás e podem vir a ser, até, as grandes vencedoras neste cenário de disrupção. Por serem mais pequenas são mais ágeis a incorporar a tecnologia, tomam decisões mais rapidamente e focam-se nos interesses do cliente de forma mais personalizada.
A tecnologia já está a democratizar a performance dos advogados mas também está a transfigurar os clientes – elevando a criatividade a um estatuto variável diferencial. Os clientes não prescindem de querer saber mais e a internet permite-lhes aceder a quantidades de informação legal – muitas vezes deturpada – mas gigantesca. Se, até hoje, o advogado podia olhar para um problema da mesma forma em todos os casos idênticos, a partir de agora tem de contornar o problema e ser capaz de observar soluções diversas e dinâmicas. O cidadão do século XXI é global, influenciado e capaz de influenciar em tempo real e menos fiel do que antes a quem lhe presta serviços.
Mas este cidadão também está a mudar a justiça. As escolhas coletivas começam a dar sinais de promoção do bem estar social e a justiça está a ser forçada a uma certa humanização. Mesmo o conceito de justiça tende a ser alterado. Novos direitos serão edificados e outros quantos deveres e domínios da justiça irão emergir. Aparenta ser contraditório uma justiça mais humanista num momento de tecnologias baseadas em inteligência aumentada ou artificial. A ideia de uma tecnologia maliciosa e apocalítica é interessante mas não me parece verosímil. As máquinas ainda não pensam como os humanos e, mesmo que isso viesse a acontecer – num futuro longínquo – poderiam vir a ser educadas. Neste cenário de humanização das máquinas – apenas sustentável através de uma computação mais avançada – é razoável admitir a possibilidade de haver máquinas boas e máquinas más. Não seria nada sensato admitir que a inteligência artificial apenas irá absorver o lado negro dos Homens.
Se os clientes mudam, os profissionais também têm de transformar-se. A observar-se o surgimento da computação quântica, os advogados irão necessitar de duas grandes premissas para vingar no futuro: uma sólida formação de base e a capacidade de empreender uma nova visão para a sua própria industria, admitindo o surgimento de novas profissões jurídicas e de novos direitos individuais e inalienáveis. Tal como nos últimos anos as pessoas viram nascer o direito à proteção dos seus dados pessoais pela massificação do uso de ferramentas digitais, no futuro, os advogados serão instados a oferecer níveis de proteção e confidencialidade aos seus clientes nunca antes experimentados.
Por isso, em 2050 tudo será diferente. Pela primeira vez assistiremos a uma verdadeira revolução social, alicerçada na tecnologia e num olhar ontológico da ideia de justo. Os dados irão ser usados pelos estados para melhorar a administração da justiça e as pessoas não vão subjugar-se a leis gerais e abstratas. A noção de equidade e análise do caso concreto ganharão cada vez mais expressão e a ciência das emoções irá permitir iniciar a jornada da ideia de justiça universal.
Os advogados trabalharão em firmas poderosas (grandes ou pequenas), capazes de usar dados a favor dos seus clientes. Eles próprios serão cada vez mais híbridos, vendo a sua performance aumentada através de algoritmos baseados em AAI (Augmented Attorney Intelligence). No que diz respeito aos juízes, não vamos querer ser julgados por máquinas. Mas, se isso vier a acontecer, não prescindiremos de um advogado humano que reconheça as nossas emoções. Acredito no nascimento desse direito. O direito a ser defendido por um advogado humano.
Veja-se o conceito de “prisão” que ainda vigora entre nós. Muitos consideram-na uma espécie de vingança privada, outros retaliação divina ou, até, vingança política. Num mundo cada vez mais virtual, a prisão deixará de ser uma forma de cárcere físico e poderá vir a ser uma espécie de liberdade física permanente sem autorização para fazer “login” no programa social onde o cidadão está inserido.
A idade da pedra foi marcada pelo uso inteligente de ferramentas rudimentares. Hoje, no início da quarta revolução industrial ainda assistimos ao uso rudimentar de ferramentas inteligentes. Toda e qualquer miopia, que não nos permita ver a realidade como ela é, pode trazer consequências muito sérias. Por isso, olhando de forma atenta para estes cenários, estaremos a caminhar no sentido de retirar o máximo proveito da atual evolução tecnológica e permaneceremos preparados para receber todas as novidades e potencialidades que se avizinham a curto e médio prazo.