Ao serviço das pessoas e a funcionar dentro das regras dos regimes democráticos: é assim que Margrethe Vestager quer ver a tecnologia e os gigantes do setor. “Atingimos uma fase em que a concorrência só pode fazer parte do trabalho. Precisamos de encontrar a forma ideal de a democracia enquadrar as tecnologias e dizer: é assim que a tecnologia deve servir-nos,” defende a responsável pela pasta da Concorrência em Bruxelas.
A comissária, que nos últimos anos fez frente a empresas norte-americanas como a Google, Apple ou Facebook no espaço europeu, deverá ver o seu âmbito de atuação reforçado em breve, quando tomar posse como nova vice-presidente executiva da Comissão Europeia, com a pasta Uma Europa preparada para a Era Digital. Mas já deixou uma certeza sobre a sua missão no futuro executivo, na relação com o digital: “A primeira prioridade serão sempre os humanos.”
Foi esta quinta-feira à tarde em Lisboa. A comissária, última oradora antes do encerramento da Web Summit, alertou que é preciso que todos se unam como uma comunidade diversa de utilizadores para refletir que mundo querem ter perante a presença esmagadora das tecnologias e da digitalização nas nossas vidas. “Podemos ter nova tecnologia, mas não temos novos valores: dignidade, integridade, humanidade, igualdade. São os mesmos,” distinguiu.
Tal como a sua colega de executivo Vera Jorouva já tinha deixado assente horas antes, Vestager também não defendeu o uso da “bomba atómica,” ou seja o desmembramento das grandes tecnológicas, como solução para o problema. Aliás, pode até criar muitos outros problemas, advertiu: “Quando se corta uma mão, surgem sete. A minha linha de pensamento é mais a de que quando uma empresa se torna tão grande, tem uma responsabilidade especial,” contrapôs.
A comissária disse ainda que, se há mudanças na atuação destas grandes empresas, mesmo depois das investigações e multas de Bruxelas, elas são de ainda maiores ambições, com o lançamento de novos serviços pela Google, Apple e Facebook. E usou o caso da Libra, a moeda digital que a dona da rede social Facebook está a tentar lançar e que, ainda antes de existir, já está a ser um desafio para toda a Comissão Europeia. Para tentar antecipar “todos os problemas que podem ocorrer quando se cria uma moeda sem controlo de autoridades,” especificou, adiantou que o tema está a ser avaliado do ponto de vista da concorrência, do impacto financeiro ou das preocupações ligadas à lavagem de dinheiro ou à fraude.
Horas antes, em conferência de imprensa, a comissária tinha deixado patente o desejo de que um acordo para a taxação das empresas tecnológicas não se cingisse ao espaço europeu, mas fosse global. O tema tem marcado o debate no espaço europeu, depois de países como a Irlanda proporcionarem o acesso a condições consideradas fiscalmente mais vantajosas para estas empresas. Se o atual esforço da OCDE para tentar tributar de forma harmonizada as multinacionais e empresas tecnológicas não chegar a bom porto, Vestager assegurou que a Comissão retomará o seu trabalho para tentar estabilizar esse modelo a nível europeu.