Faz agora um ano que tive oportunidade de estar em Londres. Entre trabalho, conferências e jantares com amigos houve sempre um tema comum: o Brexit. Tive o privilégio de ouvir George Osborne, Chanceler do Tesouro (o equivalente ao nosso Ministro das Finanças) no Governo de Cameron, convicto de que não haveria alternativa a um acordo entre o Reino Unido e a UE para o Brexit. No dia seguinte, em troca de impressões com um amigo e ex-colega com muitos anos de banca, o mesmo discurso: tem que haver um entendimento, há muito a perder dos dois lados.
Ora, de George Osborne não sei que é feito. Já o meu amigo perdeu o seu emprego no banco americano onde estava. Para ele e família uma pequena tragédia. Mas não nos preocupemos com esta tragédia, caro leitor. Vejamos o que o Banco Central Inglês diz: 34.000 postos de trabalho perdidos até ao fim de 2019 no caso de um Brexit sem acordo.
O problema é que parece que ninguém quer olhar para a realidade quando os fatos são claros: com ou sem acordo o Brexit é mau para o Reino Unido e para UE. A diferença é que num Brexit com acordo a perda estimada para o Reino Unido é “só” de 40 biliões de Euros por ano, enquanto que para a UE as perdas ficam nos 22 biliões de Euros.
Num Brexit sem acordo passamos a falar de uma “vitória” um pouco mais folgada para o Reino Unido: 57 contra 32 biliões de Euros. Ora, passado um ano, parece que o mais provável é mesmo um cenário de Brexit sem acordo. Será que os principiais responsáveis do Reino Unido e UE, políticos (e não só), vão continuar a acreditar que tudo se há de resolver a bem? O pior cego é aquele que não quer ver. Efetivamente, há por aí muita negação.
Na minha atividade, a servir clientes estrangeiros que procuram viver ou investir em Portugal, podemos verificar o aumento da procura por parte de pessoas a viver no Reino Unido. Estamos a falar não só de Britânicos, mas de várias outras nacionalidades que até agora tinham o Reino Unido como residência. Esta é uma oportunidade para Portugal minorar os custos que terá com o Brexit ao nível do Turismo (com a desvalorização da Libra o mercado do Reino Unido irá retrair-se) e das exportações.
Ainda recentemente Portugal subiu ao primeiro lugar do ranking de melhor país para os expatriados. Este resultado deveu-se em grande parte ao facto de Portugal ter subido significativamente num indicador: a facilidade de um expatriado se instalar no nosso país. Para Portugal chegar a esta posição contou com um ecossistema de vários prestadores de serviços privados para os quais surgem novos desafios com o Brexit. As próprias entidades públicas devem antecipar um fluxo intenso de novos “refugiados do Brexit” e verificar como podem responder mais rapidamente às suas necessidades.
Seria também bom olhar com mais atenção, e juntar esforços públicos e privados, para perceber porque é que as empresas que estão a sair do Reino Unido não estão a escolher Portugal como destino (a Irlanda, Holanda e Luxemburgo estão a ganhar este campeonato). Com efeito, outra forma de minorar os custos do Brexit para Portugal seria efetivamente captar algumas dessas empresas que “fogem” do Brexit, sobretudo aquelas que trouxerem inovação e processos produtivos de bens e serviços destinados à exportação. Mas mesmo que estes processos ocorram com “ventos favoráveis” a Portugal (e no final das contas conseguirmos que para o país o Brexit não seja assim tão mau), não nos deixemos na mesma cegar. O Brexit é mau, e é sobretudo um sinal de alerta para algo que é essencial para a Europa: o mercado único. É por isso que temos que refletir sobre os motivos que levaram os Britânicos a votar a favor do Brexit.
Por exemplo, a regulação de Bruxelas imposta ao Reino Unido, e que foi tão usada na campanha pro-Brexit, é sem dúvida um fator decisivo para o avanço do mercado único na UE. A regulação é fundamental, mas tem que fazer sentido para todos os agentes económicos e para a população em geral. O Produto da UE é composto em 75% por serviços e continuamos a ter uma UE pensada para o Carvão e o Aço. Acham que um arquiteto português tem facilidade em trabalhar na Suécia e vice-versa? O Brexit vai acontecer, e em Portugal não estamos preparados para ele. Os impactos para Portugal podem ser muito sérios, sendo urgente pensar ações concretas para minorar esses efeitos. Mais grave ainda, é o facto de não se reconhecer os problemas que o projeto da UE tem, e a nível Europeu são necessárias respostas assertivas. Será que podemos perder algo que garantiu a Paz e o Progresso da Europa no pós 2ª Guerra Mundial?
O Brexit não se resume às estatísticas dos empregos perdidos ou os pontos percentuais do PIB que vamos perder todos. Estamos a falar de reposição de fronteiras, da liberdade de movimento de trabalhadores e pessoas afetada, de serviços não preparados, e, infelizmente, de muitos medos que são um ótimo rastilho para o caos. No romance de Saramago era uma epidemia que deixava as pessoas cegas e vinha ao de cima o pior do ser humano. Neste caso são os líderes europeus que não conseguem ou não querem ver o que vem aí. Esperemos que não seja o pior.