Em 2017, faturou mais 440 milhões de euros e só em Portugal viu as vendas aumentarem mais de 38 por cento. A TOUS, empresa nascida na Catalunha e que, entretanto, já tem presença em mais de 50 países, quer conquistar os mercados asiáticos e reforçar a sua presente na Europa de Leste, com uma estratégia bem definida e consistente. “Se, em 1985, me tivesse dito que teria 650 lojas em 2018, eu diria ‘Madre mia, que me estás contando?’ Mas se estamos aqui é porque sempre o quisemos”, atira, com um sorriso, Rosa Oriol, vice-presidente da TOUS e representante da terceira geração familiar à frente da companhia. A gestora conversou com a EXAME na loja da marca no Chiado, em Lisboa, por ocasião da apresentação do livro Rosa Oriol & TOUS, em Portugal. A obra, escrita em 2015, é da autoria da mãe, diretora criativa da marca e sua homónima. “Ao celebrarmos os 50 anos da marca, na verdade estamos a celebrar os 50 anos de matrimónio dos meus pais e também os 50 anos de profissão da minha mãe. Daí que a mãe tenha escrito um livro, e eu creio que era importante para a marca ter esse testemunho, escrito na primeira pessoa, de como ela teve a visão de transformar a joalharia e de conseguirmos ser os primeiros em Espanha a fazer esta joalharia de consumo”, explica. Mas, apesar desta celebração de bodas de ouro, certo é que a história da TOUS tem praticamente cem anos.
A marca como a conhecemos atualmente nasce do desenvolvimento da antiga joalharia e relojoaria fundadas por Salvador Tous e Teresa Mas, em 1920. Na altura, “o meu avô começou no ofício de relojoeiro e de joalheiro. No entanto, quando o meu pai se casou com a minha mãe, em 1965, tiveram a visão de reinventar a joalharia”, conta Rosa. “Estamos a falar dos anos 1960, em Espanha, uma altura em que não existia uma joalharia de consumo como a que há hoje, uma joalharia orientada para o desenho, para o estilo de vida, para ajudar a mulher a sentir-se melhor. Havia a joalharia de consumo ou a alta-joalharia – ponto. E a minha mãe pensou em fazer uma joalharia orientada para a mulher e para o uso diário, porque até então só se usavam joias em ocasiões especiais”, continua. “Além disto, os meus pais tiveram quatro filhas e pensaram: ‘Como podemos fazer para que elas se entusiasmem e continuem o negócio familiar, e para que de alguma maneira possam ter um espaço próprio, cada uma delas?” E se o pensaram, melhor o fizeram. Em 1985, nascia, pelas mãos da matriarca Rosa Oriol, o famoso urso, que se tornou imagem de marca da casa espanhola, e, em 1989, a empresa começava a expandir-se em Espanha, com a abertura de uma loja em Barcelona. No início dos anos 1990, as quatro filhas foram formalmente integradas na empresa e, na viragem do milénio, decidiram atravessar fronteiras com vista à expansão internacional, “com um objetivo muito claro e solidificado que era: vamos fazer crescer a marca TOUS no mundo”.
Hoje, Rosa Oriol-mãe voltou a dedicar-se apenas às coleções mais exclusivas da marca, afastando-se das regulares e comuns a todas as lojas. Uma espécie de fecho de ciclo, na chegada aos 50 anos de profissão, ligados inevitavelmente aos 50 anos de matrimónio com Salvador. “No fundo, voltou ao que fazia inicialmente e que era apenas as peças mais especiais”, explica. Estas coleções mais exclusivas são também “uma boa desculpa para juntar as melhores clientes, as amigas da marca e a Imprensa, e contar a nossa história. E, claro, para algumas lojas especiais há sempre uma pequena coleção de atelier exposta, que é uma forma de mostrarmos o nosso reconhecimento do ofício joalheiro”, revela a vice-presidente da companhia. A irmã Alba substituiu o pai na presidência da empresa, em 2008, e as outras duas irmãs, Laura e Marta, também já estão completamente integradas na estrutura empresarial. E, numa altura em que a paridade de género está a preocupar o mundo corporativo, Rosa Oriol apressa-se a dizer, com um sorriso, que a TOUS até enfrenta o problema, “mas ao contrário”. Atualmente, o board da companhia conta com seis homens e cinco mulheres, mas, no global, a empresa tem muito mais mulheres, mesmo nas direções. Em Portugal, “creio que só há um ou dois homens” a integrar a equipa de 150 pessoas. “Não sei se tem que ver com o facto de sermos quatro irmãs ou com o facto de ser um negócio de joalharia… não sei. Não é porque procuramos apenas mulheres, mas porque procuramos um perfil específico e, por norma, são as mulheres que se encaixam neste”, explica.
Não perder a essência
Um dos maiores desafios do crescimento exponencial da marca, nos últimos 18 anos, é a capacidade de não perder a sua essência. Daí que a chegada de cada coleção se revista de especial significado, porque ajuda “a representar esse ADN”, sublinha Rosa. “A TOUS é uma marca terna, divertida, de espírito jovem. Aqui jogam-se emoções – nuns países mais, noutros menos, mas quando oferecemos uma joia é para agradecer, para agradar, para celebrar. Portanto, as joias têm de ir ao encontro do nosso público para ajudarem a contar essas histórias”, salientou sem levantar muito o véu sobre a coleção do próximo ano. Reforçou apenas que a aposta continuará a ser feita na utilização de metais nobres e nas pedras preciosas, para relembrarmos ao público que “fazemos fine jewellery. Vamos ter muito em conta a forma como se fazem estas joias”, revela. “Vou contar onde faço a joia, como a faço, vou explicar quantas mãos trabalharam em cada peça, como se cortam as pedras… isso acrescenta valor”, além de ir muito mais ao encontro daquilo que querem os millennials, importante fatia dos consumidores atuais. A gestora admite que as novas gerações procuram joias de forma diferente, mas no final querem exatamente os mesmos produtos que as gerações anteriores. Pretendem peças para agradar, para se sentirem bonitos, para assinalar um momento, para criar memórias. Por isso, o grande desafio de hoje é a forma de se comunicar. Para tal, Espanha tem servido de mercado de teste a experiências como lojas 4.0 e também a uma abordagem multicanal bastante forte: agora já é possível comprar em casa e recolher na loja, comprar online e receber em casa, interagir com a marca através das redes sociais com uma aposta forte no Instagram, por exemplo. Aliás, no início de novembro, a TOUS anunciou a contratação de Carolina de la Calzada, para liderar a estratégia digital da marca. A executiva tem mais de 15 anos de experiência no mercado digital.
Personalização e artesanato
A coleção de joias Hold é outro reflexo desta aposta nas novas gerações de consumidores: “prezam muito a originalidade, a personalização”. Daí que as peças que integram esta coleção possam ser usadas de várias formas, sendo adaptáveis ao estilo de cada um. “Um mesmo par de brincos pode ser completamente diferente, porque as argolas foram concebidas para serem colocadas ou retiradas conforme se queira”, explica a gestora.
Desta necessidade de se criar uma diferente ligação com os consumidores e perante a fraca oferta de artesãos que queiram continuar no ofício de joalheiro, surgiu o projeto de uma escola para ensinar as técnicas de produção e de restauro TOUS. A iniciativa quer acima de tudo criar sinergias com as várias comunidades em que a marca está atualmente integrada, e até agora foram assinados acordos de cooperação com centros de formação de sete cidades de Espanha e do México, que levaram até à Catalunha 19 estudantes para aprenderem a arte nas instalações da TOUS. Portugal é o país que se segue, com a empresa a querer rapidamente estabelecer acordos com escolas nacionais. “Estamos agora à procura de uma escola de joalharia, em Portugal, que esteja interessada neste tipo de relação com uma empresa como a nossa, e disponibilizamo-nos a dar essa formação na nossa casa. Começámos em Espanha e no México e já temos umas referências em Portugal, mas agora precisamos procurar com quem fazer. Seria ótimo, em 2019, poder integrar uma escola portuguesa no projeto de ensino TOUS”, realça Rosa Oriol. “Queremos partilhar este legado com as novas gerações de joalheiros e de artesãos, dando-lhes a oportunidade de prosperar profissionalmente”, e não está fora de questão integrar alguns dos participantes deste programa na estrutura da empresa, se surgir essa ocasião.
É assim que, enquanto se aproxima o centenário desta empresa familiar, se traçam planos para os próximos 100 anos: projetos que incluem abrir mais lojas – “desde que façam sentido, porque não abrimos lojas só para dizer que as abrimos” –, conquistar mais mercados, sobretudo na Ásia e na América do Sul, onde o Brasil é objeto de estudo, e continuar a crescer onde a casa já tem presença, de forma que Espanha possa deixar de ser o principal mercado da marca. E, claro, haverá uma coleção de celebração para apresentar em 2020. Os designers da marca estão a estudar os arquivos que existem desde 1920, para surpreender o mercado com peças que sejam de memória e de futuro e, acima de tudo, de celebração de uma história de família que se quer perpetuar nas novas gerações.
“Portugal foi muito difícil, no início”
Gestora traçou o retrato do mercado português. Porto deverá ser o próximo passo
A TOUS chegou a Portugal há 17 anos. Foi fácil?
Começámos em 2001 no Centro Comercial do Colombo, com a primeira loja. Não foi fácil, e pensámos que seria. Aliás, creio que, por pensarmos que seria fácil, é que acabou por tornar-se mais complicado. É um mercado que não tem nada que ver com Espanha e não tínhamos essa ideia. Portugal tem uma mentalidade e uma cultura próprias, uma ligação a outros países… O início foi muito complicado, muito difícil. Mas conseguimos ir aguentando, muito discretamente, e, em 2012, apareceu a oportunidade de termos esta loja (Chiado). Com uma equipa já mais consistente e com uma pessoa completamente dedicada à atividade em Portugal, decidimos que tínhamos de apostar fortemente aqui.
Marcou um ponto de viragem?
A aposta na loja foi importante, constituiu um investimento muito grande, mas esta loja é uma joia que ainda por cima estava cheia de coincidências: originalmente este espaço era uma joalharia, uma prataria que nasceu em 1920, tal como nós. E ter a oportunidade de trabalhar no restauro deste lugar pareceu-nos muito apelativo. Houve aqui um trabalho muito importante das nossas equipas, quer de abertura de lojas quer de comunicação – trabalhámos diretamente com a câmara municipal por causa da proteção do património –, e creio que Portugal começou realmente a funcionar quando abrimos a loja da Rua Garrett.
Quantas lojas têm agora no País?
Temos 32 lojas. Vamos continuar a abrir lojas em Portugal nos próximos dois ou três anos e continuaremos a estar muito atentos: agora queremos encontrar uma loja bonita no Porto. O nosso objetivo não é abrir lojas só por abrir, mas abri-las com sentido. Estamos constantemente a observar o mercado, a perceber onde devemos estar. Às vezes, temos de fechar uma loja para abrir outra ao lado; outras vezes, temos de olhar melhor para uma parte da cidade que se está a desenvolver e onde poderia ser muito interessante estar.
O crescimento em Portugal tem sido expressivo?
Sim, crescemos 38,3% em vendas, no ano passado, em Portugal, porque vivemos um processo de expansão, ainda. Estamos a trabalhar em todos os canais, de uma forma muito concertada e muito forte. Isso ajudou-nos
a posicionar-nos.
É difícil ser uma empresa familiar desta dimensão?
Temos uma equipa de profissionais tremendamente orientada para os negócios, equipas de gestão completamente competentes que se podem comparar às de qualquer grande empresa de qualquer setor, mas temos este adicional da família. E isso é algo que nos diferencia de outras empresas. Aliás, estamos em Portugal, agora, porque celebrámos o encontro global que se realizou aqui em Lisboa
– foram dois dias para nos vermos, para estarmos juntos, porque o trabalho é muito duro, e estes dias são bons para voltar às raízes. Ajudam-nos a não nos esquecermos de que, apesar de sermos uma empresa pioneira, grande e estruturada, continuamos a ter uma essência familiar.