O Programa de Estabilidade divulgado na semana passada pelo ministro das Finanças inclui diferenças significativas face ao documento apresentado há um ano. Ao longo dos últimos 12 meses, acumularam-se sinais de perda de ímpeto da atividade nacional e de alguns dos seus parceiros internacionais. Brexit sem fim à vista, maior tensão comercial entre as duas maiores economias do mundo, China a arrefecer e agravamento de riscos geopolíticos são alguns dos fatores por trás do abrandamento da economia global, que parece ter entrado, no mínimo, numa fase mais lenta do ciclo. Portugal, que nunca conseguiu alcançar níveis de crescimento muito elevados, está também a marcar passo, levando Mário Centeno a pintar um quadro mais conservador para o futuro económico do País. Quais foram as principais mudanças em comparação com as previsões feitas há um ano?
ECONOMIA
É o principal sintoma das mudanças de ambiente económico. Com o mundo a abrandar, Portugal não foge a essa tendência e é apanhado em cheio no peito por ela. Em abril do ano passado, o Governo esperava que a economia portuguesa crescesse 2,3% este ano e no próximo, 2,2% no seguinte e 2,1% em 2022. Agora, a previsão para este ano é de apenas 1,9% em 2019 e 2020 e 2% para os dois anos seguintes. Números que, se tivermos em conta as estimativas de outras instituições, até podem ser demasiado otimistas.
Por trás desta mudança está um maior pessimismo com aquilo que as famílias deverão gastar e aquilo que as empresas (e outros deverão investir). O consumo privado deveria avançar 2% ao ano, mas agora fica 0,1 ou 0,2 pontos abaixo dessa estimativa em quase todo o horizonte da projeção. Contudo, a maior diferença vem do investimento, cujo crescimento é revisto significativamente em baixa logo em 2019, de 7% para 5,3%, mas também em 2020, de 7,1% para 4,9%. Nos anos seguintes, continuará a ficar aquém das previsões anteriores.
EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES
Na frente externa, as revisões são também substanciais, fruto do arrefecimento da economia internacional. Portugal venderá menos bens e serviços e também comprará menos. No anterior Programa de Estabilidade, as exportações deveriam crescer 4,8% este ano e 4,2% nos seguintes. Agora, a expetativa é que não cheguem a 4% em nenhum dos anos. Do lado das importações, o cenário é semelhante, com discrepâncias entre 0,5 e 1 ponto percentual. Porém, a maior diferença diz respeito ano passado. Em 2018, o crescimento das exportações e das importações deveria ter sido 6,3%, mas foi de apenas 3,6% nas primeiras e 4,9% nas segundas.
SALDO EXTERNO
Uma das consequências das revisões anteriores é uma degradação do excedente que Portugal tem com o exterior. Estava previsto que o saldo externo se fixasse em 1,6% em 2018, mas ficou apenas em 0,2%. O Governo espera que este excedente volte a recuperar, mas sempre muito abaixo dos valores previstos anteriormente. Este saldo reflete o equilíbrio – ou a falta dele – da economia portuguesa face ao exterior. A degradação que ele sofreu nos anos que antecederam a crise é um dos sintomas mais citados pelos economistas para ilustrar os problemas estruturais de Portugal, nomeadamente a sua dependência do exterior e o agravamento do seu nível de endividamento.
MERCADO DE TRABALHO
Neste caso, nem todas as revisões são no sentido de menor otimismo. A taxa de desemprego de 2018 ficou abaixo daquilo que o Governo esperava e isso significa que é agora mais baixa até 2022. O país deveria chegar a esse ano com um desemprego de 6,3% e a previsão atualizada aponta para 5,6 por cento. No entanto, o emprego terá um crescimento mais lento. Este ano, por exemplo, a população empregada deverá aumentar 0,6%, em vez dos 1,1% estimados anteriormente.
DÉFICE
É um dos casos em quem a análise deve ter duas partes. Apesar da onda de pessimismo que atravessa todos os indicadores económicos de 2019, o Governo não mexe na meta de défice desse ano, mantendo-a em -0,2% do PIB. Contudo, isso muda a partir do ano seguinte, com Centeno a mostrar-se mais conservador na trajetória de descida do défice. Isso é logo claro em 2020, quando o excedente de 0,7% é revisto em baixa para 0,3%. Para 2021, a diferença ainda é maior: em vez de um saldo positivo de 1,4% do PIB, o Governo assume agora como objetivo 0,7%, valor que repete para o ano seguinte. Centeno desenha, assim, um plano para a próxima legislatura menos agressivo do ponto de vista da consolidação orçamental.
Esta menor ambição pode explicar-se por vários motivos: o arrefecimento da economia obriga a cautela; algures entre 2019 e 2020, Portugal passará a gastar menos do que aquilo que recebe (a primeira vez que isso acontece desde 1973); já este ano, o Governo atingirá o Objetivo de Médio Prazo, exigido pela Comissão Europeia; Bruxelas terá maiores dores de cabeça orçamentais entre mãos (França, Itália…); e, dentro de alguns meses, há eleições legislativas.
DÍVIDA PÚBLICA
É um reflexo do ponto anterior. Se a descida do défice será mais lenta, o mesmo acontecerá com a dívida pública. Embora o Executivo espere que o endividamento continue a recuar – regressando, finalmente, aos dois dígitos em 2023 -, avançará com menos urgência. Este ano, a diferença será de apenas algumas décimas, mas aproximar-se-á dos 2 pontos em 2021. De referir ainda que, mesmo que a dívida siga uma tendência de descida, Portugal continuará com um dos endividamentos públicos mais altos do mundo. Recorde-se que a explosão da crise financeira de 2008 chegou com Portugal com uma dívida pública pouco acima de 70% do PIB. O que acontecerá se a próxima crise apanhar o Estado com um endividamento próximo de 100%?
CARGA FISCAL
É outro indicador que parece influenciado pela realidade recente. No Programa de Estabilidade do ano passado, a expetativa era uma carga fiscal de 34,5% do PIB, mas depois de um 2018 em que o peso dos impostos na economia superou as estimativas, o Governo espera agora um valor mais elevado para este ano, fixando-o em 35,1%. Tal como anteriormente, Centeno não projeta uma descida significativa do indicador até 2023. Os impostos continuarão a ter mais ou menos o mesmo peso, recuando ligeiramente, mas sempre num patamar mais elevado do que se esperava há um ano.
INVESTIMENTO PÚBLICO
Uma revisão do investimento público não é propriamente uma novidade nesta legislatura. O Governo tem falhado sucessivamente as suas metas de investimento, sendo obrigado a rever os valores que previa para os anos seguintes. Esta última revisão garante que o indicador não regressará ao nível do último ano do Governo de Passos Coelho até à próxima legislatura, ficando em 2,1% este ano e 2,3% em 2020.