Uma das transformações mais elogiadas na economia portuguesa durante a crise e o período de recuperação foi a obtenção de um excedente da balança comercial, depois de décadas de défices. No entanto, as mais recentes estimativas do Banco de Portugal, apontam para um regresso ao vermelho em 2020. Nesse ano, Portugal volta a comprar mais do que vende ao estrangeiro.
No Boletim Económico publicado esta manhã, o BdP revê significativamente em baixa o saldo da balança de bens e serviços deste ano e dos próximos. “A deterioração do saldo da balança de bens e serviços traduz, em larga medida, um efeito de volume negativo, refletindo o maior dinamismo das importações face às exportações”, escrevem os economistas da instituição liderada por Carlos Costa.
As exportações vão crescer a um ritmo mais lento do que as importações e isso será especialmente expressivo em 2019, quando as primeiras deverão avançar 3,8% e as segundas 6,3%. O resultado será uma deterioração do excedente de 1% para 0,2% do PIB este ano e um regresso aos défice em 2020 e 2021, com -0,2% e -0,4%, respetivamente.
Recorde-se que, entre 1943 e 2012, Portugal comprou sempre mais bens e serviços ao estrangeiro do que vendeu. Só a partir desse ano é que o País viu essa balança chegar ao verde, tendo-se aí mantido até hoje. Esse equilíbrio é visto como uma mudança decisiva na economia nacional, que deixaria de estar tão dependente do estrangeiro e poderia crescer sem aumentar o seu endividamento e, por arrasto, penalizar os seus custos de financiamento.
Alguns economistas, principalmente à esquerda, argumentaram que essa transformação era efémera e se devia apenas à crise, que estava a travar o investimento e a compra de bens duradouros, como automóveis ou eletrodomésticos, o que ajudava a conter as importações. Assim que a economia acelerasse, o mesmo aconteceria às compras ao exterior e o equilíbrio esfumar-se-ia. Estes últimos dados sugerem que voltámos ao perfil de crescimento pré-crise?
O Banco de Portugal acredita que não. Considera que a grande mudança estrutural foi a forma como as empresas se viraram para os mercados externos e que essa alteração está para ficar. Para descansar os céticos, tem do seu lado tem um bom argumento: embora a balança comercial esteja a caminho de terreno negativo, a balança corrente e de capital – aquela que engloba todos os montantes que entram e saem do País – continuará positiva e deverá até reforçar-se.
“Até 2021, a economia portuguesa deverá manter capacidade de financiamento relativamente ao exterior, apresentando excedentes da balança corrente e de capital de 0,6% do PIB em 2019 e em 2020 e de 0,9% do PIB em 2021”, pode ler-se no boletim. “Esta evolução tem subjacente uma progressiva deterioração da balança de bens e serviços, decorrente do maior dinamismo das importações face às exportações, e uma melhoria da balança de rendimentos e de capital.”
(Nota: a balança corrente inclui não só as exportações/importações de bens e serviços, como os rendimentos de trabalhadores e investidores e as remessas de emigrantes. A balança de capital inclui os fundos comunitários e transferências de patrimónios, como heranças.)
Uma grande ajuda virá dos fundos europeus, que o BdP espera que cheguem em maior volume em a partir deste ano. “Projeta-se uma recuperação dos recebimentos de fundos europeus no horizonte de projeção, de 1,8% do PIB em 2018, para 2,3% do PIB em 2019, 2,6% do PIB em 2020 e 2,4% do PIB em 2021”, refere o Banco. Mais: a balança de capital também será impulsionada em 2021 pela devolução dos montantes pagos por Portugal ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF).