O cenário impressiona e, percebemos, pelas exclamações que nos rodeiam, que não é só a nós: ao fundo, o Sol vai-se pondo e tingindo o Funchal de uma luz cor de laranja que se reflete na água, enquanto as luzes das casas, das ruas, das dezenas, centenas, de unidades hoteleiras se acendem como se fossem pequenos pirilampos nas encostas da ilha. A vista privilegiada que temos deve-se a Nini Andrade Silva, a designer de interiores madeirense que há cerca de quatro anos decidiu recuperar o edifício do Molhe – Fortaleza da Nossa Senhora da Conceição, em tempos casa do antigo navegador e colonizador do Arquipélago da Madeira, Gonçalves Zarco. Hoje, além de um Design Centre, o edifício recebe também um restaurante – onde nos encontramos – com vista panorâmica sobre a cidade do Funchal. Localizado no porto da cidade, fica no cimo de uma rocha que chegou a ser um pequeno ilhéu, antes de se construírem as estruturas que agora o juntam a terra.
Aqui cruzam-se idiomas enquanto degustamos a comida do chefe Júlio Pereira – à esquerda, um casal septuagenário prepara, em inglês, a próxima viagem a Barcelona. À direita, um casal holandês lamenta não poder beber mais vinho do Alentejo, uma vez que ainda precisa de conduzir até ao hotel. À frente, uma mesa com oito dinamarqueses diverte-se enquanto aprecia a vista e os pratos. Mesmo ao pé da janela, é em francês que dialoga um casal de meia-idade. Não é de estranhar, se tivermos em conta que Reino Unido, França e Holanda fazem parte do top 5 dos países que mais turistas mandam para a ‘pérola do Atlântico’, segundo dados da Associação de Promoção da Região Autónoma da Madeira (AP Madeira). Apesar de o número de visitantes portugueses estar a aumentar, a verdade é que o destino é claramente preferido por estrangeiros, tal como acontece há várias décadas. Aliás, no início de julho foi revelado, num estudo conjunto entre a AP Madeira e a Bloom Consulting Portugal, que no Reino Unido o interesse por este destino cresceu 17%. Também revelam um aumento de interesse pela Madeira a Alemanha (30%), a França (19%), a Suécia (18%) e a Dinamarca (11%), o que reflete a evolução positiva da notoriedade deste arquipélago. “Estamos a falar de muitos seniores também e de pessoas de classes altas”, esclareceu à EXAME Roberto Santa Clara, o diretor-executivo da AP Madeira, durante uma entrevista no Funchal. E este é precisamente o público ao qual a AP Madeira quer continuar a piscar o olho, numa tentativa de travar o crescimento desmesurado do turismo no arquipélago, um território finito e com constrangimentos físicos inegáveis (ver entrevista). Por isso, um turismo virado para o luxo, para a Natureza e cada vez mais exclusivo é o caminho “que faz sentido” e que, a médio e a longo prazos, permitirá a sustentabilidade e a manutenção da região. Roberto Santa Clara é taxativo quando afirma que “a Madeira não pode renegar nunca aquilo que é o seu cliente-tipo: um cliente mais sénior, que tem dinheiro e disponibilidade. Mas mesmo o turista sénior, hoje, mudou”, realça, antes de exemplificar que “há turistas franceses que vêm para a Madeira três semanas, para caminhar”. O que significa que, finalmente, “descobriram o potencial da ilha. E que os operadores o descobriram também e estão a explorá-lo”.
De olho nas estrelas
O diretor-executivo da AP Madeira concluiu o seu primeiro mandato à frente da associação e iniciou em junho um segundo, com alguns objetivos ainda por concretizar. Um deles é conseguir um orçamento entre “dez e 12 milhões de euros, que seria o ideal” para promover a região, que foi considerada pela quinta vez o melhor destino insular da Europa, nos World Travel Awards. O gestor madeirense, quadro da ANA-Aeroportos em licença sem vencimento, admite que voltar à ilha “foi um prazer, acima de tudo”. Estamos na Quinta da Casa Branca, uma propriedade com mais de 28 mil metros quadrados e que desde 1998 foi convertida num hotel de luxo. É o primeiro Hotel de Design da Madeira, circundado por magníficos jardins que permitem, ao longe, avistar o mar. No terraço privado, um casal holandês saúda-nos, sorridente, antes de nos ser revelado que é o aniversário de um deles. “Há anos que vêm para cá”, esclarece a responsável do boutique hotel que foi crescendo à volta da casa-mãe, um edifício da década de 1940 que tem cinco suites à disposição dos hóspedes, bem como uma biblioteca e uma magnificente sala de jantar que serve de restaurante. Da família Leacock desde o século XVIII, esta propriedade escondida perto do centro do Funchal tem um arboreto, uma zona agrícola e um jardim que estão sob o cuidado do mesmo jardineiro há várias décadas. Esta é uma das propriedades que a AP Madeira quer que constituam o cartão de visita do arquipélago. Com o crescimento exponencial de unidades hoteleiras com centenas de quartos, os responsáveis do setor querem ter a certeza de que a história da ilha e o seu vasto património natural não se perdem. Daí a aposta, também, no turismo ativo e no turismo de Natureza, com especial enfoque nas tradicionais levadas e nos trilhos, que na Madeira se revestem de uma particularidade difícil de igualar: seja qual for o percurso, há sempre vista para o oceano.
Saindo da Quinta da Casa Branca, a caminhada é agradável até à Estrada Monumental, uma das principais da cidade, e ao longo da qual se vai desenrolando um leque de hotéis que oferecem as melhores vistas sobre o mar, praticamente todos com piscinas quase ao nível deste e entrada direta no oceano. Um deles é o famoso Belmond Reid’s, escolha de Winston Churchill para os veraneios em terras portuguesas e recentemente alvo de um profundo processo de renovação. “Estamos a apostar sobretudo no turismo de famílias para garantir que há uma passagem geracional” que é importante para a Madeira, conta Ciriaco Campus, diretor-geral da unidade há quase dez anos. “Havia uma geração de turistas que nunca vinha à Madeira” e era importante alterar esse facto. “Mudar a perceção do destino é muito difícil”, mas o responsável acredita que é possível. Com o mercado do Reino Unido a representar 45% dos clientes, o Reid’s tem-se destacado nas ofertas culturais para clientes de luxo, como o Exceptional Music in Exceptional Locations, resultado de um protocolo com a Orquestra Filarmónica de Londres e que, no final do ano passado, permitiu oferecer a alguns hóspedes uma performance de um quarteto de cordas e de um clarinetista a interpretarem obras de Johannes Brahms nos jardins do hotel, com o Atlântico como pano de fundo. Aqui há, em termos de preço, uma oferta diferenciada para nacionais e estrangeiros, com os hóspedes portugueses a beneficiarem de uma tarifa mais baixa.
É também nesta mesma zona do Funchal que se podem encontrar as três estrelas Michelin da ilha: uma está no William, o restaurante do Reid’s, e as outras duas estão no Il Gallo d’Oro, o restaurante do Cliff Bay Hotel, 350 metros ao lado. A aposta na alta gastronomia e nos vinhos tem sido outra constante na estratégia recente para chamar mais gente ao arquipélago, com os amantes das rotas gastronómicas a colocarem cada vez mais a ilha no mapa. E desengane-se, também, se acredita que na Madeira só é possível encontrar bons vinhos da Madeira – o congénere do vinho do Porto. É que a enóloga Diana Silva, por exemplo, decidiu mostrar ao mundo que a insularidade até pode ser uma vantagem. A especialista acabou de produzir uma trilogia de vinhos – os Ilha – produzidos exclusivamente a partir da casta Tinta Negra, a mesma que compõe o vinho da Madeira a 85%. “Dão-na como prima da casta Pinot Noir, e acredito pela pesquisa que fiz, que é isso mesmo. Porém, até agora, a Tinta Negra, apesar de ser uma das mais resilientes castas, era considerada menos nobre. E nunca se fez vinho de mesa com ela”, o que significava que, a que não era usada para os vinhos da Madeira, era lixo. No entanto, a enóloga percebeu que o seu comportamento, quando plantada a diferentes altitudes permitia algumas experiências, e pôs mãos à obra. Este mês, e depois de uma boa avaliação por parte de especialistas e instituições regionais, apresenta ao mercado um vinho branco, um vinho tinto e um vinho rosé todos monocasta. “Este vinho faz lembrar os do Loire”, garante à EXAME, antes de explicar que espera que o projeto impulsione a Madeira entre portugueses e estrangeiros – já conseguiu, aliás, que ele marque presença nas cartas de outono de três restaurantes de topo em Lisboa.
Aos projetos existentes no arquipélago vão juntar-se, entretanto, outros que revelam a atenção com que os investidores estão a olhar para este destino. O Savoy Palace (uma unidade de cinco estrelas com 600 quartos) e o Les Suites at The Cliff Bay (um hotel de charme com apenas
23 suítes), ambos com abertura prevista para a primavera de 2019, são disso exemplo. Se juntarmos os esforços que estão a ser feitos em Porto Santo para tornar a ilha o primeiro território europeu sem combustíveis fósseis e com emissões praticamente nulas de dióxido de carbono, é possível alterar ligeiramente a ideia que por norma fazemos dos custos da insularidade em termos de ofertas a visitantes. Uma outra forma de gritar ao mundo que a Natureza continuará a ser a maior riqueza deste território, tantas vezes esquecido por quem procura experiências rodeadas de calma e recheadas de imponência.