“A razão pela qual a maior parte de nós está preocupado com as alterações climáticas é o facto de estarem a impactar os negócios”, atirou Barack Obama para uma plateia de cerca de 2000 mil pessoas. O Coliseu do Porto não chegou a encher-se para a Climate Change Porto Summit, mas a sala estava composta quando, às 15h em ponto desta sexta-feira, 6 de julho de 2018, Barack Obama se sentou à conversa com Juan Verde, presidente da Advanced Leadership Foundation. No público estavam executivos e quadros intermédios das empresas que decidaram juntar-se à iniciativa, alguns políticos e poucos jornalistas.
“Como sabem, nasci no Havai, e isso deixa-me de alguma forma particularmente sensível aos efeitos do aquecimento global” nos oceanos, continuou o antigo ocupante da Casa Branca. Num tom pausado, descontraído e até ligeiramente monocórdico em algumas ocasiões, Obama parece ter deixado para trás o tom inflamado e efusivo do presidente, em campanha ou em funções. Agora quem fala é uma espécie de professor Obama que, mais do que atirar teorias, parece querer explicar o que se passa de uma forma clara, concisa e sem deixar margens para “realidades alternativas” como aquela que vivem “as pessoas que vêem a Fox News. É que elas vêem uma realidade diferente de quem lê o New York Times”, disse divertido. Mais sereno, não menos acutilante. Mas visivelmente cansado. Ainda assim, demorou poucos minutos até fazer as primeiras críticas às atuais decisões de Donald Trump relativamente às políticas sobre as alterações climáticas, sem nunca referir o nome do atual presidente em exercício.
Questionado sobre a saída dos EUA do Acordo de Paris e sobre como olha para o futuro dessa diretiva, Obama começou por sublinhar que “o problema das alterações climáticas transcende fronteiras” e que todos os esforços são necessários para que, conjuntamente, ele seja resolvido. Depois decidiu esquematizar o pensamento:
“A má notícia é que o meu sucessor não tem as mesmas ideias que eu [acerca do assunto]”, começou por dizer. “A boa notícia é que os esforços que foram feitos antes começaram a dar frutos na economia e as empresas mantiveram-nos ao perceber as vantagens de investir em energia limpa. A segunda parte da boa notícia, é que até agora houve apenas um país a abandonar o Acordo de Paris”, notou antes de atirar com um sorriso: “O meu!”. Seja como for, o antigo presidente norte-americano afirmou que os EUA deverão voltar a integrar novamente a diretiva, uma vez que “vão voltar a estar alinhados com a ciência”, acredita.
A conversa dirigida por Juan Verde, antigo estratega da campanha eleitoral que o reconduziu na Casa Branca, consistiu basicamenta nas respostas do democrata a nove perguntas previamente acordadas entre ambos. Obama falou da importância das empresas privadas no processo de consciencialização social, ao pedir-lhes mais responsabilidade e lembrando que é mais barato, na maior parte das vezes, prevenir questões ambientais do que resolver os efeitos das alterações climáticas; lembrou que o aquecimento global ajudou a aprofundar os conflitos na Síria, ao obrigar milhares de pessoas a abandonar os campos agrícolas que lhes proviam sustento devido às constantes inundações; recordou as nações da África Subsariana que promovem, tantas vezes, os êxodos em massa – e consequentes problemas migratórios como os que o mundo enfrenta atualmente. “Não haverá muros suficientes, nem suficientemente altos, que impeçam pessoas famintas de tentar salvar-se e aos seus filhos”, aproveitou para dizer, numa referência clara à atual política anti-imigração de Donald Trump.
Barack Obama chamou também a atenção para o facto de, atualmente, a grande dificuldade não ser a falta de tecnologias que possam ajudar a combater as alterações climáticas, mas sim a vontade política, institucional e individual de aplicar essas mudanças. “Temos que arranjar uma forma de educar a opinião pública sobre as vantagens destas opções na sua vida”, explicou.
“Às vezes focamo-nos mais na tecnicidade das coisas do que na importância de educar as pessoas”, continuou o político. “Não se resolvem problemas começando do topo para baixo”, avisou. “Os problemas resolvem-se de baixo para cima”. Mais à frente, Obama reforçou a importância desta teoria sublinhando as características das gerações mais novas como fortes motores de implementação de mudanças. “Hoje os jovens estão mais abertos à diversidade, mais preocupados com as questões do clima, são mais sofisticados” do que a sua geração, defendeu. Portanto, é preciso aproveitar esse ativo. Aproveitou para falar da sua experiência pessoal quando começou a preparar a sua primeira candidatura à presidência, em 2007. “Quem me elegeu foi a minha equipa de jovens de 20 a 25 anos”, garantiu humildemente. “Foram eles que trabalharam. E se ainda por cima pagamos mal a um miúdo, é preciso dar-lhe responsabilidade e mantê-lo motivado. Explicar-lhe que ele pode mudar o mundo. O nosso papel, enquanto líderes, é treiná-los para ocuparem o nosso lugar”, aconselhou a uma plateia cuja idade média rondaria os 50 anos.
A intervenção de uma hora, ainda que tenha ficado longe dos inspiradores discursos de campanha, mereceu uma ovação de pé, mas Obama saiu do palco tão rápido quanto entrou, com o habitual aceno e seguido dos dois seguranças que perscrutaram a sala durante a sua intervenção. A garrafa de água de plástico que tinha à sua disposição foi deixada intacta.
Milhares de embalagens de plástico no Coliseu
Uma das características que saltou à vista dos presentes foi precisamente a quantidade de plástico que marcou presença no evento que prometia combater as alterações climáticas. Para além de o café ser servido em copos descartáveis – ainda que de papel – também as colheres de café eram de plástico, tal como as embalagens das sanduíches disponíveis nos vários bares do Coliseu do Porto, abertos aos participantes. O expoente máximo, no entanto, foi o almoço que, “por questões de segurança” foi providenciado pela organização do evento numas lancheiras de papel. Dentro delas, cinco embalagens de plástico: uma para uma salada, outra para a uma sandes, uma para as uvas, uma para o garfo de plástico e o guardanapo e ainda uma última para uma bolacha de chocolate. Multiplicando pelas 3 000 lancheiras previstas para distribuição, terão sido pelo menos 15 mil embalagens de plástico não reutilizável, sem falar das garafas de água – que podiam, no entanto, ser deixadas nuns caixotes específicos para serem recicladas.
Entrar no recinto do Coliseu com garrafas reutilizáveis, por exemplo, era uma impossibilidade devido às regras de segurança – que proibiam também câmaras de filmar, fotográficas, computadores ou tablets. Uma opção, no mínimo, estranha para um evento que tinha como tema a sustentabilidade e as alterações climáticas, provocadas sobretudo pelo consumo excessivo, e que queria alertar os empresários para a necessidade de mudar pequenos hábitos quotidianos.
Aliás, foi precisamente sobre essa premência de fazer pequenas alterações que falou Mohan Munasinghe. O antigo Vice-Presidente do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas da ONU, que com Al Gore ganhou o Prémio Nobel da Paz em 2007, chamou a atenção para a diferença que podem fazer pequenos gestos. “Não há desculpa para atrasarmos mais” as mudanças que precisam de ser feitas, disse durante a sua intervenção, a primeira dos quatro oradores presentes.
Aplaudindo a iniciativa organizada pela Fladgate Partnership, pertencente à Taylor’s, Munasinghe explicou que esta ““exemplifica o tipo de liderança empresarial de que precisamos desesperadamente”, para que consigamos entrar “num caminho equilibrado de crescimento ambiental inclusivo”.
“A minha esperança e expectativa sincera é a de que o Porto Protocol seja subscrito por outras indústrias e apoiantes, de forma a tornar-se uma iniciativa mais abrangente para a açcão de combate às alterações climáticas,” disse.
Empresas unidas
O Porto Protocol, que foi apresentado logo ao início da manhã, assume-se como um movimento empresarial aberto a todos os que queiram participar, sejam particulares empresas ou organizações, e que pretende pensar e dar resposta aos desafios das alterações climáticas. A indústria do vinho, disse Adrian Bridge, presidente da Taylor’s, pode e deve ter uma palavra a dizer sobre o assunto e quer ser exemplo a seguir em todo o mundo. A realização desta cimeira, no Porto, foi exemplo dessa vontade de passar das palavras aos atos, e há já várias empresas publicamemente envolvidas no projeto, como a Pricewaterhouse Coopers, a Associação Comercial do Porto, a Câmara Municipal do Porto, o Instituto da Vinha e Vinho, a BA Vidros, a Corticeira Amorim ou a PricewaterhouseCoopers.
Aderir a este protocolo não tem qualquer custo, explicaria Bridge, lembrando que quem se quiser associar só precisa de assumir o compromisso de fazer mais do que até agora na luta contra as alterações climáticas. E em troca, terão acesso a relatórios e empresas que as possam ajudar na prossecução desse objetivo.
Irina Bukova, uma das candidatas de António Guterres ao cargo de secretária-geral da ONU, também aplaudiu a iniciativa quando chegou a sua vez de falar. A responsável salientou a importância de ela ter surgido numa região como o Douro, património da Humanidade, e aproveitou para chamar precisamente a atenção para o facto de ser importante ter essa herança e património em mente para lutar contra o flagelo provocado pelo aquecimento global. Numa apresnetação metódica e dinâmica, Bukova lembrou que o que se perder para a natureza jamais voltará a ser o que era. E que combater as alterações climáticas é pensar o futuro mas também preservar o passado. Por isso, pressionar as empresas a fazerem a sua parte é um bom princípio, continuou ainda a especialista que encerraria os trabalhos da manhã.
O foco na economia e na necessidade de olhar para “onde está o dinheiro” deu o mote à intervenção de Juan Verde, que falou logo após o almoço e antes de receber Barack Obama. Para o estratega político, quando empresas e governos perceberem o potencial económico de uma sociedade mais consciente, das energias limpas e da sustentabilidade, rapidamente conseguiremos mudanças significativas nos comportamentos e, consequentemente, no planeta. “Não temos que escolher entre o planeta e a economia”, salientou. “Porque sem planeta, não haverá economia”. O especialista lembrou que houve já vários momentos da história em que foi preciso tomar decisões que pareciam ameaças à economia – “a abolição da escravatura, por exemplo” – e que nada mais foram que evoluções. É preciso atuar sem medo para conseguir resultados ainda melhores, garantiu.