No dia 20 de maio chegou o pedido de amizade. Quando a notificação apareceu, no dia 21, Rodrigo Barona respondeu à mensagem que lhe fora enviada via LinkedIn. Queriam falar-lhe, com urgência, de um novo projeto. Disse que sim, que no dia seguinte podiam fazer isso. Eram 20h00, Rodrigo tinha uma filha de três anos e outro de um mês a precisarem de atenção e não era hora de falar de trabalho. Do outro lado insistiram. “E eu pensei: ‘Chata! Ok, que seja pelo telefone, então’ e lá concordei em conversar”, conta à EXAME. Cinco anos depois, é Head of Creative Technology & Digital Production na equipa da Elisabete Ferreira – a mesma “chata” que insistiu com ele naquela noite de maio e que o contrataria logo de seguida. “É o meu braço-direito”, garante a diretora da área digital da JWT Lisboa, que tem a seu cargo uma equipa de 20 pessoas, “todas elas descobertas e recrutadas via redes sociais”, confidencia. Para Elisabete – Bé, como é tratada por todos com quem se cruza na agência –, as redes sociais não são uma moda, não são “aquela coisa do Demo que não deve ser usada para trabalho”. Qualquer chefe que acredite nisso “já morreu e não o sabe”, diz taxativamente a especialista, explicando que as tendências de mercado mudaram significativamente nos últimos anos e que as empresas devem saber utilizar as potencialidades desta nova era digital, ao invés de as renegarem.
João Pedro Figueiredo é responsável pela área de Talent Acquisition da tecnológica Blue Infinity e admite que usa o LinkedIn desde 2009, sempre que precisa de iniciar um processo de recrutamento. Depois segue-se o Stack Overflow, uma rede direcionada para quem trabalha em tecnologia. A seguir, eventualmente o Blue Search, e só no final chama o potencial candidato para uma entrevista. Para João, as conversas são o ponto fundamental quando se fala de recrutamento. É aí que ele consegue perceber a pessoa, conhecê-la – ainda que pouco –, tirar dúvidas sobre o seu percurso profissional. “Sou muito apologista do cara a cara. Perceber a cultura, os valores, a identificação do candidato com a empresa”, diz à EXAME. “É muito difícil fazer isso a partir das redes sociais”, considera. Uma visão que não é partilhada por Tiago Forjaz. O Chief Dreams Officer da MighT avisa, aliás, que é preciso ter noção de que já é possível analisar todos os dados que são deixados digitalmente. É como se contássemos “a nossa biografia em capítulos”, o que significa que é preciso “fazer um exercício de curadoria” sobre essa história que se está a contar, mesmo que não se dê conta.
“A maior parte das pessoas não percebe que estar presente digitalmente implica uma estratégia”, refere o cofundador da primeira rede de talentos nacional, a The Star Tracker. “Hoje ninguém precisa de perguntar nada, porque há algoritmos a analisar perfis, o potencial de cada um…”, esclarece, antes de sublinhar que atualmente se está “a fazer uma transição muito relevante na forma como se coleciona a informação, o que é muito importante tanto para eu recrutar como para eu me promover”. Elisabete não podia estar mais de acordo. “Claro que consigo analisar soft skills via redes”, diz com uma gargalhada antes de nos atirar com um exemplo da sua própria equipa: “Andávamos a procura de um web designer há uns anos e, entre LinkedIn e Behance, vejo um trabalho apresentado de uma forma que não é normal, tendo em conta o pormenor da estruturação – e aqui começam as soft skills: a forma como apresentas o teu trabalho também faz a diferença”, esclarece. A responsável diz que o trabalho a surpreendeu de tal forma que não acreditou poder ser de quem o apresentava. Até que descobriu no currículo de web designer em questão que tinha tirado um curso profissional, ao invés de uma licenciatura, e que logo depois havia criado uma empresa. “Isso disse-me que era menino para ter posto a mão na massa, para ter iniciativa e para de facto ser o autor daquele portefólio.” Chamou-o para uma entrevista que serviu, basicamente, para “tentar perceber se realmente tinha sido ele a fazer o trabalho que eu tinha visto. Pois, se fosse, estava contratado.” E foi mesmo. Permanece até hoje na JWT, com todas as características que a responsável lhe adivinhou durante a procura.
Capítulos digitais
Esta atenção a pormenores que extravasam o conteúdo de um trabalho significa que tudo o que é publicado pode ser – e potencialmente será – alvo de análise. “Como é que tu partilhas conteúdo?”, atira em jeito de provocação Tiago Forjaz. “O que quero partilhar? Onde é que eu quero entrar?” são algumas das perguntas que todos devem fazer quando pensam na sua pegada digital que, lembra por seu lado Elisabete, “nunca mais será apagada. Uma vez na internet…”
A título de exemplo, o responsável da MighT revela que há progressos significativos na área da Inteligência Artificial e que é preciso ter-se noção de que, daqui a algum tempo, “vais ter algoritmos que te dizem que, tendo em conta a tua carreira, os movimentos que fizeste, as formações, as publicações que escreveste, o teu próximo trabalho pode ser na empresa X ou Y”.
E questionado sobre o nível de evolução de que estamos a falar, é bastante claro: “Atualmente já há algoritmos que conseguem prever o risco de saíres da empresa onde estás.” O consultor de talentos acredita que isto vai fazer com que o mercado também seja cada vez mais sugestivo, mas deixa a dica: “O mercado só pode aprender com o que tu mostrares sobre ti, o que obriga cada pessoa a ser uma espécie de estação de televisão”, diz com um sorriso. Nuno Troni, diretor da área de Professionals, Outplacement, Human Consulting e POR da Randstad Portugal, usa quase as mesmas palavras: “O meu perfil nas redes sociais diz aquilo que eu quero que diga.” A responsável da área digital da JWT volta ao exemplo de Rodrigo Barona para ilustrar como as redes a ajudam não só a perceber as pessoas com quem está a lidar como também os seus interesses e algumas atitudes e fases pela quais podem passar no trabalho. “Há uns anos, andava à procura de um diretor criativo e queria um que já conhecia, mas ele não estava disponível. Portanto, fui ver pessoas com quem ele tivesse trabalhado e descobri que este Barona tinha feito um projeto com ele em Espanha. No entanto, não conseguia perceber se estava em Portugal, se em Espanha e se, sendo espanhol, isso não era um problema.” Solução? Ir até ao Facebook, olhar para as ligações e perceber que Rodrigo Barona estava, entretanto, casado com uma portuguesa. “Pensei: ah, ok! Então estás cá para ficar.” E tendo em conta o tempo que já passou, eu não estava enganada. “No dia a dia, o Facebook é muito meu amigo para perceber os interesses da minha equipa, tanto a forma como os motivos”, explica ainda. “Há alguns que adoram viajar. Então, ao invés de uma subida de salário, se calhar permito-lhes uma formação em Londres… As pessoas têm interesses diferentes, e, pelo Facebook, pelo Instagram, eu consigo ver isso. Hoje eu sei tudo!, reforça.” E, como Tiago, acredita no poder da estratégia. “Nós somos uma marca digital, e portanto tudo tem de bater certo como se seguíssemos uma marca: o tom, a forma, o sentido de humor.” Recorda, por exemplo, que o atual diretor criativo, Pedro Vintém, foi contratado pelo tom que imprimia aos seus posts no Facebook, “mesmo os que eram sobre a sua vida pessoal”.
Mesmo que possam divergir sobre esta questão de que competências são possíveis apurar através da pegada digital, os vários especialistas ouvidos pela EXAME concordam em pelo menos duas coisas: tudo depende da área de que se está a falar – até porque ainda não são todas as empresas que procuram algo para além das competências técnicas dos seus potenciais trabalhadores – e hoje é impossível fugir da digitalização.
Quanto vale um encontro presencial?
Para Portugal não há dados concretos, mas, ao olhar para os EUA, conseguimos pelo menos tentar adivinhar as tendências dos próximos anos: segundo dados recolhidos pelo site CareerBuilder, em 2017, eram já 70% as empresas norte-americanas que recorriam às redes sociais para procurarem o candidato ideal, o que representou uma subida de 8 pontos percentuais face ao ano anterior – ou de 59 pontos face a 2011, a primeira data considerada para análise. “Ferramentas como o Facebook e o Twitter permitem aos empregadores ter uma ideia de quem é o candidato para além do seu currículo e da sua carta de apresentação”, referia na altura a responsável pelos Recursos Humanos do CareerBuilder. “E com cada vez mais pessoas a usarem as redes sociais, faz sentido que o recrutamento através delas também aumente.” No entanto, há áreas em que esta tendência é maior, como as tecnologias de informação, as vendas ou as áreas criativas. Por outro lado, setores como o financeiro ou de serviços deverão continuar a privilegiar o recrutamento presencial ou por recomendação. Susana Miranda, Career Change Consultant da George, vai mais longe ao afirmar que às vezes se “peca por estar demasiado no digital” em detrimento do
fomento do networking presencial. Para a especialista “é fundamental que as pessoas se apresentem, que vão a conferências”, para travarem novos contactos e conhecimentos, e que reforcem a sua presença em ações de formação, encontros da sua área de trabalho e encontros informais com potenciais empregadores. Questões que se tornam ainda mais decisivas se estivermos a falar de pessoas acima dos 45 anos. Quanto aos quadros de topo, Susana considera que é mais recorrente serem “quase sempre recrutados através de recomendações”. Nuno Troni também é da opinião que “o face to face nunca vai ser substituído”, porque é somente nessa interação que características particulares dos candidatos podem ser identificadas. No entanto, admite que no setor da tecnologia, por exemplo, as redes sociais e a internet, permitiram o aumento exponencial e benigno da área de atuação, tanto de candidatos como de empregadores. Tal como Tiago Forjaz, o especialista salienta a importância do big data no setor dos Recursos Humanos, uma vez que este “facilita e otimiza” os processos de procura e de seleção numa altura em que os candidatos ideais passaram a poder estar em qualquer ponto do mundo. “Há 13 anos ainda havia o Expresso Emprego”, atira em jeito de explicação: a verdade é que hoje deverá ser residual o número de pessoas que utiliza qualquer ferramenta, que não as digitais, para procurar oportunidades ou candidatar-se a um cargo – até porque o mundo inteiro não cabe num jornal. António Reis é disso exemplo. Quando estava a trabalhar na sua tese de mestrado, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, e depois de ter terminado o curso de Engenharia Mecânica, entrou num grupo do LinkedIn dedicado à Aerodinâmica. “Estava a fazer a tese sobre isso e encontrava-me um pouco aborrecido”, conta divertido à EXAME.
“Resumidamente, entrei no grupo e pedi um estágio na área. Um dos membros respondeu-me a pedir que eu enviasse um e-mail mais tarde com o meu CV, e um mês e meio depois eu estava a viver em Montpellier”, diz-nos numa chamada via Skype. O estágio era numa pequena empresa que fazia motores de avião, e o contacto mais próximo que teve com os responsáveis que o contrataram foi uma entrevista através de videochamada. Após esses primeiros quatro meses a estagiar, ainda voltou a Portugal durante quase um ano mas, em 2014, foi chamado para voltar à empresa francesa como colaborador. Um ano depois, e já sem recurso a redes sociais, António integrou a gigante KTM que “usa bastante as redes sociais para recrutar”, confidencia-nos desde Áustria, onde vive atualmente.
As grandes mudanças
A globalização e a sofisticação dos processos vieram provocar mudanças significativas na forma como candidatos e empresas se relacionam. Além disto, estas ainda podem funcionar como gatilho para alterarem a visão que as companhias têm dos seus colaboradores. Praticamente todas as pessoas ouvidas pela EXAME acreditam que o tempo em que os trabalhadores eram números está prestes a terminar, com a geração millennial a ter quota-parte de responsabilidade neste processo: “A arte dos recrutadores vai ficar mais sofisticada. Deixar-se-á de recrutar profissionais para se passar a recrutar pessoas”, garanteTiago Forjaz.
Nuno Troni concorda e afirma que, apesar de haver um temor generalizado de que as máquinas possam roubar empregos, não acredita que “vamos ter exterminadores implacáveis no futuro” e que as escolhas, também por isso, “vão depender muito da parte mais humana”, uma vez que as capacidades técnicas são algo que facilmente se aprende. Elisabete Ferreira nota que, hoje, quem chega ao mercado de trabalho tem outras preocupações, como o maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, o que advém sobretudo do que viram acontecer com os pais durante a crise. “Viram-nos a trabalhar 45 anos que nem malucos para perderem tudo por uma razão ou outra. Muitas vezes até o emprego.” E, portanto, pensam: “Para quê fazer isto? Todos os sinais da economia e da sociedade lhes deram foram péssimos”, conclui. João Figueiredo salienta que cada vez mais os candidatos procuram também “um salário emocional que se prende com a cultura da empresa”, com condições que não têm obrigatoriamente que ser monetárias: viagens, formações, horário flexível ou possibilidade de trabalhar em home office são alguns dos exemplos particularmente valorizados hoje em dia. Susana Miranda é um pouco mais cética, recordando que muitas empresas continuam particularmente focadas nos resultados e que, portanto, ainda há muito caminho a fazer até essa humanização ser transversal a todos os setores. Seja como for, facto é que a presença nas redes potencia ainda outra situação: é que todos passaram a estar sempre no mercado, estando ou não à procura de novas oportunidades. “Já tive várias propostas através das redes sociais”, admite Rodrigo Barona. “Quem sabe o próximo trabalho não virá através de lá, também?”, atira em jeito de brincadeira. Afinal, a malha da rede já o apanhou uma vez.
Deixe-se apanhar pela rede
Para fazer das redes sociais um aliado é preciso muito mais do que somente marcar presença nelas. Paulo Rossas é criativo digital e explicou à EXAME quais os 10 mandamentos desta nova era
1. Quanto maior melhor
Quanto maior for a pegada digital melhor. As empresas de recrutamento usam ferramentas que correm todas as redes sociais dos potenciais candidatos e traçam perfis. Se eu não existo, os alarmes soam
2. Seguir o líder
A melhor forma de perceber como se pode usar as redes em benefício próprio é estar de olhos postos no comportamento do líder do setor. Isto nunca falha
3. A minha página
Ter uma página própria com portefólio demonstra profissionalismo. É importante mantê-la atualizada: se for para não lhe mexer, então mais vale não criá-la
4. Biquínis não
Ser um influenciador ou uma influenciadora “do biquíni” vai sempre limitar o nosso raio de ação. Atenção ao conteúdo que se partilha e à imagem que se quer transmitir
5. Mostrar
Ser uma celebridade no Instagram, dependendo do tema, também pode ajudar-nos profissionalmente. Boas fotos, boas peças criativas mostram que temos algo mais para dar, ao mundo e até à empresa
6. Aparecer
Ter um canal no YouTube é infalível para nos apresentarmos ou nos valorizarmos. O exemplo perfeito é a Bumba na Fofinha, criativa numa agência e que, ao tornar-se famosa, se valorizou perante os seus pares
7. Em 280 letras
Ser uma pequena celebridade no Twitter demonstra que podemos ter uma capacidade acima da média, porque é uma rede que vive do pensamento rápido e inteligente
8. E no LinkedIn…
Para qualquer área, é obrigatório estar no LinkedIn com uma página atualizada, fresca e profissional. É aqui que há a procura de candidatos e é aqui que se pode saber mais sobre a carreira de cada um
9. Estar no Facebook
Não ter uma página de Facebook faz soar vários alarmes: podem achar que eu sou antiquado ou acreditar que tenho algo a esconder. A página pode estar trancada, mas tem de existir
10. Em resumo
O conteúdo que partilhamos é o que nos define em relação à pegada digital. Se o que divulgamos é interessante e se relaciona com a nossa atividade, maior a probabilidade de sermos bem-sucedidos