Foi o ponto mais insistente numa conversa que demorou mais de uma hora e que se estendeu por domínios como a transformação tecnológica, as novas tendências da gestão, a ética e mesmo a realidade política brasileira: o trabalho é importante, mas há muito mais para além dele. E quanto mais tempo se demorar a perceber isso (e a desenvolver esses mundos paralelos), mais difícil se torna a transição para o pós-vida ativa.
“Tem gente que se orgulha de trabalhar 14 horas por dia. Mas gente que trabalha assim tem uma vida só, a profissional. E a pessoal, a familiar, a social, a comunitária?” Quem pergunta assim – enquanto gesticula, sorri e abre os olhos de forma empática – é Carlos Alberto Júlio. O empresário, palestrante, escritor e coach profissional nascido no Brasil e com raízes portuguesas esteve em Lisboa para uma série de palestras para a ERA Portugal e falou à EXAME.
“As pessoas reformam-se cada vez mais tarde ou ficam sem emprego cedo de mais com uma esperança de vida longa, vão ter de produzir ainda mais 30 anos: como é que isso se faz se não se reinventar? É preciso uma mudança radical sobre o que se pensa no mundo do trabalho,” avisa. É em torno desta temática que está a preparar o seu mais recente livro, “Quantas vidas você quer ter?”, que se junta a cerca de uma dezena de obras já entretanto publicadas. Parte do ditado popular associado para reclamar pelo menos tantas vidas quanto as do gato, para que quando alguém se reformar possa estar apenas a afastar-se do trabalho e a poder usar o resto do tempo que lhe resta nas suas outras vidas. “Também quero tê-las, descobri que posso tê-las e estou investindo nisso. É preciso ser super-homem? Não: é preciso ter equilíbrio,” vinca.
No Brasil, segundo dados divulgados em 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e relativos ao ano anterior, metade dos jovens empregados tinham de 40 a 44 horas semanais de trabalho. Ainda assim, registou-se uma “diminuição da proporção daqueles com jornadas excessivas de trabalho, que passou de 12,4%, em 2012, para 8,2%, em 2016,” lê-se no documento do instituto.
Ainda assim, entre todos os brasileiros com trabalho, 15,7% trabalham 49 horas ou mais por semana, de acordo com o IBGE. “Tenho muito medo do futuro do workaholic sistemático, do que só sabe trabalhar assim,” nota Carlos Júlio, que lamenta que o sistema educativo no Brasil esteja talhado para preparar os alunos para entrarem numa boa faculdade. Ou seja, só treina a intelectualidade. Mas depois chega ao mundo do trabalho e aí ligam-se as campainhas de alarme: não consegue relacionar-se.
Perante a sala cheia do Altice Arena, nas duas palestras que dirigiu a colaboradores da ERA Portugal no âmbito da comemoração dos 20 anos da mediadora imobiliária, sublinhou insistentemente a questão do tempo e a trilogia que permite conciliar tempos internos e externos e garantir a produtividade em oito a dez horas por dia – num país onde em 2016 o trabalho ocupava em média 41,1 horas do tempo dos trabalhadores.
Primeiro, o foco, a capacidade de dizer não, de cumprir a suas tarefas e não as dos outros; depois, a disciplina que dá consistência ao trabalho; e finalmente a organização (ou “ação organizada”, como lhe chama). “O processo é inconsciente. E quando se conjuga estes elementos, eles ficam exponenciais,” acentua. O resultado é uma atitude ligada ao tempo que conduz a carreiras e vendas melhores.
Ele, que se desmultiplica em iniciativas e presenças, da rádio aos blogues, até às conferências, dá o seu próprio exemplo. No ano passado foi convidado para fazer palestras para produtores rurais em 25 cidades do Mato Grosso, um estado vasto do Brasil. Perante a dimensão da tarefa, a mulher sugeriu-lhe que fizesse pequenas pausas – “o foco e disciplina juntos!”, identifica. Organizou de tal forma os dias, entre períodos de descanso, trabalho e palestras, que chegou ao fim daquele período sem ponta de cansaço acumulado. “Não senti nada,” garante.
O coach profissional tão depressa dá conselhos de como gerir bem o tempo ou uma empresa, como aponta com veemência o que diz que está mal e precisa de ser mudado na sociedade brasileira para que o país não fique para trás na transformação tecnológica que está em curso.
Na educação, advoga uma aposta prioritária na reforma do ensino básico e na garantia de igualdade de acesso às universidades; na gestão, a evolução do middle management para garantir que a pirâmide com gestores de topo no vértice e trabalhadores na base não fica oca; até chegar à política e à economia, onde defende a meritocracia e um Estado mais pequeno.
“Honestamente, a gente foi muito negligente,” reconhece, quando analisa os desenvolvimentos sociais e políticos dos últimos anos no Brasil, onde uma mega-investigação judicial – a operação Lava-Jato – tocou em todos os quadrantes partidários, a que se juntou uma destituição presidencial que baralhou a balança política. Nem o antigo presidente, Lula da Silva, escapou à prisão. Tudo envolvido numa crise económica ainda em resolução.
Em paralelo, a estrutura social foi-se alterando ao longo de décadas. “Criou-se uma nova elite no país. Não é mais o empresário que está tentando fazer o negócio dar certo, o operário, a pessoa que está produzindo. A elite hoje é o funcionalismo público,” indica. Também por isso defende que a transformação pode acontecer a partir das empresas, dos negócios, onde os gestores devem ter uma mistura entre técnico e humano. Quando o líder sabe identificar talentos e gera valor através das pessoas, ajuda a mudar a sociedade, argumenta.
“Se não dominar os números, não domina os negócios. Mas se não entender de pessoas, não souber motivar e arregimentá-las, essas pessoas não vão ter com você,” conclui.