A estrada segue por montes e vales. Curva para a esquerda, curva para direita, cruza-se a Ecopista do Dão que segue em direção a Santa Comba. E há ainda que passar a pequena ponte sobre o rio Dinha, até chegar a Ferreirós do Dão, freguesia do concelho de Tondela, onde Vicente Alves e Madalena Fonseca encontraram há cerca de nove anos terreno fértil para alimentar o seu rebanho de cabras da raça serrana. Primeiro uma, depois meia dúzia até às 450, do ecótipo jarmelista – pelo comprido, a variar entre os tons castanho e avermelhado, a protegê-las do frio que vem das serras do Caramulo e da Estrela, e cornos em forma de sabre que serviam de defesa aos lobos, quando eles por aqui habitavam.
Madalena não sabe quantas cabras tem agora o seu rebanho. “Ainda falta coragem para as contar”, desabafa. Sabe apenas que, das cerca de 100 que estavam selecionadas para continuar a fazer crescer o rebanho, conseguiu salvar um cabritinho. No fogo de 15 de outubro, chegou aqui por volta das duas da manhã, acompanhada pelo cunhado que logo teve de sair no trator para ir ajudar a sogra. Vicente, o marido, não a podia acudir, estava retido em Santa Comba Dão, e Madalena ficou sozinha. Pôs os animais a salvo e conseguiu que o fogo que já consumia a parede feita de madeira chegasse aos fardos de palha que serviam para fazer as camas. “Tinha muita sede”, conta. “Corri todos os bebedouros das cabras e só um tinha água. Só no dia seguinte me dei conta que tinha um tanque com mil litros de leite.” Não há como segurar as lágrimas, por mais valente que se seja.
Produção em suspenso
No final de outubro o rebanho de Vicente e Madalena estava no pico do leite – 300 litros por dia, vendidos a uma empresa para fazer o queijo. Uma pequena parte para a saboaria artesanal Só Sabão, em Viseu. “Com a sala da ordenha destruída não podíamos continuar a produção. Tivemos que as secar e antecipar o cio. Uma maldade necessária para os bichos”, justifica Madalena. Com o mato ardido a toda à volta, e à falta de giestas, medronheiros e silvas, as cabras passaram a alimentar-se à base de ração, milho e palha – aquela mesmo que servia para fazer as camas. “O pastoreio fazia-se duas vezes ao dia. Eu ia de manhã, o meu filho Tomás à tarde”, conta.
As ajudas, nos primeiros dias, de particulares permitiram ao casal de 43 anos – que tem ainda outro filho, Maria, 13 anos – erguer uma proteção às estruturas que sobreviveram ao fogo. E todas as semanas chega-lhes as sacas de ração adquiridas pela Direção Regional da Agricultura e que os militares do Exército distribuem depois em camiões por estas estradas do concelho de Tondela. Nesta manhã, coube ao Regimento de Infantaria Número 13 de Vila Real trazer 27 sacas. Tomás, 19 anos, ajuda-nos a fazer as contas. “Vai dar para quatro dias. E isto numa altura em que, devido à escassez, as cabras estão a comer metade do que era suposto”, ressalva.
Madalena sente falta de sair todas as manhãs com o seu rebanho. Vicente precisa de materiais de construção para reerguer as infraestruturas e, ambos não desistem do sonho que já tinham em construir uma queijaria. Tomás pôs em suspenso a ida para a universidade e quer continuar a ajudar os pais. “Há certas alturas em que a gente deixa de depender só de nós”, diz Vicente. “Se não tivéssemos o nosso filhote a trabalhar connosco, se calhar parávamos mesmo. Atirar a toalha ao chão, com ele presente, não seria um bom exemplo.”
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