A aldeia de Cabeça já tinha sido notícia em 2011 quando se tornou a primeira aldeia do país a dispor de uma rede de iluminação pública totalmente assente na tecnologia LED. Para lá chegarmos é preciso descer uma estreita, íngreme e serpenteante estrada, que se enche de visitantes por alturas do Natal.
Tudo começou quando a aldeia se candidatou ao programa de Orçamento Participativo da Câmara Municipal de Seia. Como a freguesia votou em peso (hoje, vivem ali cerca de 140 pessoas) a proposta de fazer ali a iniciativa Aldeia Natal vingou. Com cada vez mais público, até hoje.
E é por isso que, sempre ao final da tarde, a população se junta por estes dias num grande pavilhão polivalente da freguesia. Uns dias vêm mais, outros vêm menos mas há sempre alguém a dar uma mãozinha e trabalho não falta. A ideia é que esta Aldeia Natal seja 100% sustentável e baseada nos produtos e tradições locais (ninguém verá por ali um Pai Natal ou enfeites plásticos made in China). E claro que, de ano para ano, não gostam de repetir decorações… Saem quase todas da imaginação e inspiração de Luísa Dias que não precisa de grandes tecnologias, nem sequer de planos desenhados em papel para as criar e passar a mensagem a todos os que ajudam. Os materiais estão ali mesmo, à volta da aldeia: pinheiro, vides, “canões” (como aqui chamam às canas de milho), giestas… A desmatação, tão importante para proteger os terrenos dos incêndios (que, há um mês, andaram ali bem perto e destruiram várias casas, mais abaixo, à volta de Vide), alimenta este Natal único no País. “Só a pseudotsuga não cresce aqui à volta da aldeia e temos que ir buscá-la mais longe”, explica Nuno Silva, que vai coordenando todo o processo. Essa espécie de pinheiro com aspeto bem natalício não fica muito longe, não é preciso sair do distrito da Guarda: este ano virá de Manteigas. O musgo é outro elemento obrigatório, claro, mas nem todo pode ser apanhado para a festa. “Há, aqui, espécies protegidas de musgo”, explica Nuno, revelando o lado de responsabilidade ambiental da iniciativa.
Entre 16 de dezembro e o Ano Novo, as ruas da aldeia transformam-se e não é só por parecerem um grande presépio iluminado com a variedade de enfeites que ganham formas neste fim de tarde escuro duma sexta-feira de novembro (com menos gente a ajudar do que é habitual talvez por ser a época de apanha de azeitona). Muitas casas da população abrem-se aos visitantes, há tasquinhas em cada esquina e bancas de venda de produtos locais.
O ambiente é já de confraternização entre todos os que contribuem para a Aldeia Natal. Maria dos Anjos, 81 anos, enquanto ata um fio vermelho à volta de giestas, desfia velhas memórias de quando serviu numa casa em Lisboa onde Salazar era visita assídua e arrepende-se de por lá ter ficado pouco tempo regressando, ainda jovem, à vida dura desta aldeia na Serra da Estrela. Mas conta tudo com algumas gargalhadas pelo meio, o que não há de ser mau sinal… Ao lado, a irmã Angelina, também tem sorriso fácil.
Estes dias de verdadeiro trabalho comunitário já se transformaram em tradição local. José Marques conta que nos primeiros anos havia vários intervalos para pequenos grupos irem ali a uma pequena cozinha contígua “ver o projeto” para poderem trabalhar melhor no resultado final… Estranhamente, só homens iam ali espreitar “o projeto”, até serem descobertos por uma habitante mais curiosa. O dito “projeto” não era mais que o nome de código para os intervalos em que bebiam um copito e comiam uma bucha… Agora, é de todos e de todas, como deve ser. No dia em que a VISÃO lá foi, o “projeto” consistiu em jeropiga, feita pelo pai de Nuno, umas fatias de bolo rei, e um brinde à Aldeia Natal.
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