Ainda e sempre o Brasil para me inspirar na crónica desta semana, desta vez para falar de D.R. Em Portugal, as duas letras em sigla servem para designar um grau académico grosso modo, que pode ir de médico a gestor, passando por tudo e mais alguma coisa que envolva um diploma universitário. E claro que no Brasil é outra coisa completamente diferente.
Cara, o nosso amigo João não veio para a praia surfar com a gente porque está tendo uma D.R. com a mulher, diz o Caio ao Márcio no Posto 12, enquanto os dois apertam um béque. Apertar um béque é enrolar um charro, para quem não está familiarizado com a gíria carioca. D.R. é a popular sigla para a expressão Discutir a Relação. Genial, no mínimo. As pessoas têm uma D.R. como quem um ataque de tosse, ou apanhou um pifo. Uma DR apanha-se no ar como um vírus, é uma coisa que se dá entre casais, um ato com vida própria, nem sempre com um final feliz, nem sequer com um final, seja ele qual for, pois é sabido que uma mulher, quando lhe dá para discutir sobre a relação, nada nem ninguém a fará parar. Talvez um tanque de guerra ou uma bomba atómica, e mesmo assim, ninguém tem a certeza.
Quais as vantagens de ter uma D.R.? Na verdade, quantos mais anos passam, mais acredito que nenhumas. Meninas, metam na cabeça isto de uma vez por todas: se querem ser felizes com os vossos namorados/maridos/avenças/casos/híbridos/ou-o-que-for, evitem uma D.R. sempre que puderem, porque os homens detestam falar das relações. Eles não gostam, não se interessam pelo assunto, é um tema que os desgasta, os chateia, os cansa e, não raro os afasta, portanto não façam isso. Não deem tiros no pé, porque não existe qualquer margem útil em tal procedimento. O que para nós é fácil, para eles pode ser um suplício. E aquilo que nos pode dar alívio, para eles pode ser fatal. Discutir a relação diariamente e amiúde é um dos caminhos mais seguros para o fracasso da mesma.
Com isto não estou a dizer que as mulheres não devem dizer o que pensam e o que sentem. Pelo contrário, quem tem boca vai a Roma e a falar é que as pessoas se entendem, mas de forma direta e despachada, sem discussão nem repetições. A pessoa diz o que tem a dizer, de preferência sentada ao lado, e depois muda a conversa, saltando com elegância para outro assunto completamente diferente. Pode falar do tempo, comentar o último episódio da Guerra dos Tronos, consultar o calendário para marcar umas mini-férias no Báltico, ou utilizar o clássico método passa a manteiga que o MEC me ensinou há muitos anos. O método passa a manteiga é o oposto de uma D.R.: a pessoa diz de sua justiça, curto e grosso e sem cerimónias, e depois pede para o parceiro lhe passar a manteiga, ou o pão, se for o caso. Isto arruma o assunto, remete-o para a consciência de cada um e retira-o da conversa. Funciona como uma espécie de arquivo vivo, fica registado, que é o que interessa.
Nunca esquecer que, no que toca à verbalização, com o sexo masculino, menos é sempre mais. Experimente dizer uma coisa importante uma vez. E depois espere. Espere até o sino bater do outro lado. Se repetir vezes sem conta, os sinos vão começar a tocar todos ao mesmo tempo, provocando uma cacofonia inaudível e a sua mensagem irá perder-se, qual post-it enrolado dentro de uma garrafa atirada ao Pacífico. Voltando um pouco atrás, a sugestão de ter a conversa quando estão sentados lado a lado não é dada ao acaso. Os homens sempre tiveram, desde os tempos imemoriais, os aliados ao lado e os inimigos pela frente. Logo, enfrentar um homem com um assunto delicado é colocar-se no lugar do inimigo. Como diz um amigo meu com muita graça, se quiser ter uma discussão com uma miúda, o melhor é ir ao Galeto.
Existe ainda a modalidade ancestral de resolver os conflitos e zangas no ringue, como expurgo de desentendimentos. Está cientificamente provado que a adrenalina puxa a adrenalina, mas também é verdade que não existe nada mais fácil numa relação do que criar maus hábitos. Imagine que gosta de ir à feira popular e que até aprecia em particular uma volta na montanha-russa. Agora imagine que o obrigam a entrar na carruagem da dita todas a semanas. Ninguém aguenta. Talvez um Marine, mas nem somos os Estados Unidos da América e nem todas as pessoas têm estofo de heróis. O ringue é um lugar de paz, e mesmo com um empurrão ou outro, é bom que aconteçam em nome do prazer e não como ajuste de contas.
Praticar uma D.R. é como atirar-se de cabeça para uma piscina sem verificar se: a) está cheia; b) tem crocodilos ou piranhas; c) foi cheia com resíduos tóxicos. Poupe o seu mais-que-tudo a tal massacre e sobretudo poupe-se a si mesma ou a si mesmo, caso pertença à minoria masculina que gosta de esmiuçar as relações.
O amor é como uma erva-daminha, se não lhe mexermos, cresce selvagem, mas se começarmos a puxar daqui e dali, acaba-se depressa. Relaxe e vá dar um passeio com boa música nos fones e deixe que o tempo arrume ou alimente o que for para ser. O tempo está para o amor como o vento para os incêndios; apaga os mais fracos e ateia os mais fortes. Não discuta, não se mace e deixe andar.
Afinal, nada é uma questão e vida ou de morte, a não ser a própria morte.