Em meados dos anos 60 a minha mãe recebeu a visita de uma vizinha angustiada. Tratava-se da irmã mais nova de uma série de rapazes que já casara tarde com um farmacêutico que conhecera através de um anúncio de jornal. Estava casada há oito anos e era mãe de dois filhos quando se apercebeu que o marido continuava a encontrar-se com outras mulheres usando a mesma via.
Quando a tecnologia ainda não tinha invadido a nossa vida, os jornais estavam repletos de anúncios deste tipo e de outros. Era um Tinder mais lento, mas já era um Tinder: duas pessoas que não se conhecem nem do elétrico, aproximam-se por quererem a mesma coisa. Mas será que querem mesmo? Quando a sociedade era mais rígida no julgamento dos comportamentos alheios, as mulheres dividiam-se em dois grupos distintos: as meninas para casar e as outras. As outras incluíam as diversões, onerosas ou graciosas, as estrangeiras que invadiam o Algarve em busca do mito do macho latino, as mulheres dos outros quando estas davam sinais de fastio conjugal e ainda as avençadas, ou senhoras por conta.
Nunca existiram tempos fáceis para as mulheres. Infelizmente, a realidade não melhorou assim tanto, apenas se alterou para um quadro de alta indefinição de valores, papéis e padrões, causada por esse monstro que se chama, por atacado, “As Novas Tecnologias”. Entre as redes sociais e as aplicações de encontros, as regras do jogo mudaram, talvez para sempre. Os homens já não precisam de caçar: abrem uma aplicação e vão fazendo uma seleção prévia, como se estivessem nas ruas do Red Light District a observar as profissionais que se roçam nas montras, despidas em lingerie barata e manhosa. A cadeia alimentar inverteu-se: o leão, que sempre caçou mais por prazer do que por obrigação, já que para tal função tem as leoas, limita-se agora a dormitar na savana, abanando a cauda com indolência, enquanto zebras e corças se passeiam debaixo da sua juba, lembrando o burro do Shrek que pulava entre os outros animais, pedindo ao ogre das orelhas em forma de aparelho auditivo que o escolhesse para seu companheiro de aventuras. Assim estão as presas, oferecendo-se ao predador através do ecrã de um smartphone, e o felino preguiçoso, dá-se ao luxo de escolher, tu não, és muito baixa, tu tens unhas de bruxa, tu tens muitas riscas, divaga o rei da selva que se sente cada vez mais desconcentrado. Os franceses têm uma expressão maravilhosa para isto, l’embarras du choix. Perante o excesso de oferta, o macho fica confuso, desorienta-se, de repente quer tudo e afinal não quer nada, criando situações de embaraço sucessivas, porque conheço poucas mulheres que só queiram aventuras sem consequências e muitos homens que querem só isso mesmo.
Estou em crer que, se esta palhaçada deixa de ser uma tendência comportamental e passa a entrar no sistema operativo masculino, estamos a caminhar para o fim da espécie. É claro que existem exceções que confirmam a regra, casais felizes que se conheceram no Tinder. Mas são isso mesmo, exceções. Os poucos cromos que conheço que por lá andam, usam um rol de desculpas para a sua presença quase involuntária que incluem argumentos do estilo: foi um amigo que me abriu a conta, só uso no estrangeiro, abri a conta por graça e até pensei que já a tinha desativado, e outras pantominices de meia-tigela que nem um galgo afegão engolia com a ração, e acreditem que os galgos são em geral, cães muito estúpidos. Seria mais honesto se assumissem que não estão para relações estáveis e duradouras, que aturar a mesma mulher é chato e não compensa a vários níveis, que a facilidade e a variedade suplantam a vontade de encostar à box. Cada um sabe de si e Deus sabe de todos, não está em causa julgar o próximo, está em causa explicar ao próximo que, se anda a varrer tudo o que mexe, não tem perfil para criar laços de confiança afetiva, mesmo que seja um profissional sério, um pai dedicado e um filho extremoso de uma mãe acamada. Tal como o espírito machista menospreza uma mulher que rode muito, as mulheres também desprezam tipos que varrem tudo, ou, como gosto de dizer em bom português: meus amigos não se iludam, porque as putas não têm sexo.
Talvez o grande problema destas aplicações seja o da falta de contexto. Há quem defenda que o Facebook é a mesma coisa, mas não é. No Facebook estão aos amigos, a família, os gostos, os interesses, se gosta de Chico Buarque e lê Javier Marías, ou se prefere o Trio Odemira e a Catedral do Benfica. Existe um contexto que caracteriza a pessoa. Esta rede, com todos os problemas e defeitos, é uma rede social, não é uma rede sexual de acesso – e uso – gratuito.
Este espírito de toma-lá-dá-cá, inerente à atividade de andar aos encontrões com desconhecidos, deixa-me perplexa. É como andar de carrinhos de choque, diversão que nunca apreciei. Prefiro a roda gigante, com altos e baixos e voltas que durem alguns anos, até o entendimento vencer, ou não, ao toca-e-foge da dança de corpos, vazia e gratuita, qual sapo que salta de nenúfar em nenúfar, em busca de nada.
E o que vai acontecer à espécie quando já não precisar de caçar? Predadores preguiçosos irão perder as suas capacidades. Com tanta parvoíce instalada, talvez o fim da espécie venha mesmo a caminho. Isto se, entretanto, as alterações climáticas e o excesso de plástico nos oceanos não derem cabo do planeta azul. Antes de salvar o planeta, valia a pena salvar o coração e voltar às origens do cavalheirismo, da conquista e do respeito. O namoro devia ser reabilitado e premiado. Chega de tanto encontrão.
Para a semana há mais.