O pai não estava naquele fim de semana. Acordaram depois das nove com o cheirinho de ovos estrelados e salsichas que a mãe decidira fazer para o pequeno almoço. Depois, deitadas no sofá, em pijama e com uma mantinha por cima, viram desenhos animados. Vestiram a roupa que escolheram, apesar de, aos olhos de um adulto, ser ridícula: a Graça pôs uma saia comprida de tule rosa, uma camisa de cetim toda em folhos e rendas, una tiara dourada na cabeça, inúmeros colares de plástico; a Margarida calças de fato de treino, camisola às riscas verticais azul e branca do Futebol Clube do Porto e sapatilhas. Ao sábado a mãe deixava-as escolher a roupa. Em seguida brincaram as três “às casinhas” e a mãe fez o papel de uma filha que estava doente e não queria tomar os remédios. Obrigaram-na a deitar-se na cama, foi penteada, massajada com cremes, as pernas envolvidas em papel higiénico, tomou inúmeros xaropes e caldos imaginários. Por fim deixaram-na sair da cama e assumir de novo o seu papel de mãe. O almoço foi no jardim e de sobremesa houve gelado. Pediram uma história e deitaram-se as três na cama de casal, a mãe ao centro e elas coladas ao seu corpo. Acabaram por adormecer e a mãe deixou-se ficar imóvel na cama para as não acordar. Tinha consciência que a infância era um tempo mágico e fugaz e que os pais eram os “realizadores”, “produtores” e “atores” de um filme que nunca mais seria esquecido. Tentou gravar na memória aqueles rostinhos inocentes a dormir com as bocas entreabertas, aqueles caracóis soltos prontos a desaparecer, aquelas roupas ridículas, aquela inocência feliz.
Quando acordaram pediram para andar de baloiço. Foram de automóvel até ao parque da cidade, onde brincaram toda a tarde. O tempo estava lindo e muitas crianças animavam o local com gritos de alegria intercalados pelo choro dos que se iam magoando nas brincadeiras. Lancharam no café do parque onde pediram o que mais gostavam. Já cansadas, meteram-se novamente no automóvel. Quando finalmente estacionaram em frente a casa, a Margarida disse:
– Que dia tão bom, Mãe. Agora, para ser perfeito, só faltava ao sair do carro eu encontrar uma moeda de um euro.
A mãe sorriu. E porque não? Abriu discretamente a carteira e procurou o porta moedas. Saiu do carro e dirigiu-se à porta traseira por onde a filha iria sair. No chão, em frente à porta colocou a moeda. A Margarida abriu a porta e, ao poisar os pés no chão, deu um grito.
– Mãe, encontrei uma moeda de um euro!
A mãe sorriu para dentro e disse:
– Afinal há mesmo dias perfeitos!
(Todas as histórias que envolvem doentes são ficção, baseada em casos reais e na prática clínica da autora)