Contra “o diabo”, nada melhor do que uma romaria a começar na Capela das Almas e a acabar na Igreja de Santo Ildefonso, na praça da Batalha. A peregrinação de Rui Rio pela Rua de Santa Catarina mobilizou alminhas-militantes de vários lados (Ponte da Barca, Esmoriz, Arcos de Valdevez, Oliveira de Azeméis, Paredes, Gaia ou Maia) mas não entusiasmou portuenses ou quem se passeava pelas ruas. Esses limitavam-se a observar a confusão, protegendo-se de um possível atropelamento da massa humana laranja que caminhava junto do líder.
Rio fazia-se rodear do seu novo-amigo-antes-inimigo Luis Filipe Menezes e de (surpresa!) Alberto João Jardim, o ex-lider da Madeira “que mais vitórias democráticas (44) teve na história de Portugal”, como o apresentaria mais tarde. Mas não estabeleceu contacto com nenhuma alma penada fora do seu perímetro de segurança laranja. E mesmo a idosa Maria Fernanda, que veio do outro lado da ponte, mas estava ali á espera desde as 15 horas (e já eram 19h) viu-se e desejou-se para conseguir que alguém lhe pegasse num papel escrito para entregar a Rui Rio.
O que dizia o papelinho? “Peço que ele, se chegar a primeiro-ministro, acabe com os incendiários. Porque temos de proteger tudo o que está acima da terra”. Mas quando viu Menezes, até pensou que estava a ver mal. “Então eles não eram inimigos? Até com o fogo de S. João se pegavam! Não percebo como fizeram as pazes!”, confessava à Visão. Quando soube que ali também ia Alberto João Jardim, ficou triste: “Oh, não consegui vê-lo. E eu que trabalhei 40 anos na Madeira.”
Quem o viu, ouviu e gostou foi António Santos, que, no final da festa, ia com um sorriso nos lábios 31 de janeiro abaixo apanhar o comboio para Paredes. “Foi do que gostei mais. Foi o que falou melhor e que me fez rir”. A jovem que o acompanhava, com pressa de voltar a Valongo, logo justificou: “Claro, esse já tem muito treino”.
Na verdade, no comício que terminou a arruada na Praça da Batalha, o discurso de Alberto João Jardim ofuscou o de Rui Rio. Foi o que provocou mais aplausos e assobios. E muitas risadas, porque afinal o ex-lider regional da Madeira sempre foi bom a dizer piadas. Entra com um grande “viva o Porto, viva o PSD”, ataca “a fraude da comunicação social”, lembra Sá Carneiro – a sua alma também esteve presente pela boca de Rui Rio – e interroga: “Nós é que somos a direita? E chamam esquerda ao PS?”. Depois de teorizar sobe o assunto remata com um “Òh Abreu, dá cá o meu”.
O tom de stand-up comedy estava dado, para satisfação de quem o ouvia. “Para onde foi o meu dinheiro?”, continuava, depois de denuncir que “estamos debaixo da maior carga fiscal”. Rangel assistia com sorriso rasgado. Rio aguardava. “O dinheiro vai para o assistencialismo. Porque o socialismo gosta de manter a pobreza. Quando há pobreza, as pessoas ficam dependentes do Estado e das esmolas dos presidentes da Câmara”. Ele lá saberá do que fala.
“O caso de Tancos [assobio em coro] é a imagem do Portugal socialista. O barco encalhou, meteu água, os marinheiros sabem que está a afundar, e o comandante, coitadinho, não sabe de nada”. E lá voltam as risadas, e as bandeirinhas a acenar. “O Dr. António Costa..” , continua, sendo interrompido por mais um coro de assobios. “Guardem isso para domingo à noite”, diz Jardim. E alguém da assistência: “Vamos ver, vamos ver…”. “O Dr António Costa não tem sentido de Estado”, por consentir que “o fascismo comunista esteja no poder”.
E desanca em Costa, “o braço direito de Sócrates”, continua Jardim. “A Madeira era o troféu que faltava a Costa. Dizia que ia ganhar 3 a 0. Agora já só lhe resta um 2 a 0 e ainda vai ser expulso do terreno”. Nova risada geral.
Quando, finalmente, a palavra é dada a Rui Rio, faltavam 15 minutos para as 20h. “Vamos lá monitorizar isto, que já estão a cair umas pingas”, foram as primeiras palavras do candidato social democrata. Diz a todos que nasceu na ordem da Trindade, freguesia de Santo Ildefonso, “na mesma cidade de Francisco Sá Carneiro” e, depois de elogiar as 44 vitórias eleitorais de Alberto João, atira: “Quem conhece a Madeira, entende o que aconteceu. Os madeirenses votaram em quem merecia”.
Só depois desfiou as o que diferencia o seu programa do dos socialistas e falou de casos e casinhos, desde a carga fiscal ao imposto sucessório, passando pelas cativações do serviço nacional de saúde. E meteu-se com Centeno, com o seu Centeno – perdão Sarmento – atrás de si, a ouvi-lo atentamente. “O Sr Mário Centeno fez criticas às nossas medidas, encheu o peito e depois virou costas e fugiu”. Mais adiante: “O verdadeiro ministro da Saúde foi Mário Centeno, que pôs o país a sofrer com as cativações”. E alguém grita “vergoooonha”.
No final, um recado, dito “com toda a frontalidade” ao seu “próprio partido”: “Não vamos para a administração pública colocar lá os nossos familiares, nem os familiares dos nossos amigos, nem os militantes do PSD”. E o melhor era acabar ali, que a chuva miudinha ameaçava engrossar. “Ainda não estamos muito molhados, estamos abençoados”. E nisto soa o sino da igreja a dar as 20h certas e quem olhasse o cimo da Igreja veria a estátua de Santo Ildefonso. Logo depois de terem gritado “vitória, vitória”, Rio avisa ainda que quem não votar PSD no domingo, está “a reforçar o PS, o BE e o PCP”. O diabo?
“Aqui no Porto posso dizer olhos nos olhos. O Porto nunca me enganou e eu nunca enganei o Porto. Conto com o Porto, minha terra e de Sá Carneiro. 40 anos depois de 1979, o Porto pode ter um primeiro ministro daqui oriundo”, diz. Mas, tirando o pequeno espaço em que toda aquela máquina (grandes holofotes e colunas de som) estava montada, era o sossego e a escuridão que já predominava.
No final, e depois de um minuto de silencio por alma de Freitas do Amaral (a atuação de uma banda foi suspensa), seguido pelo hino nacional, os bombos de S. Mamede de Infesta ribombaram, abafando as concertinas e cantares de Arcos de Valdevez. Pequenos grupos que esperavam os acompanhantes de Rio que ainda estavam no palco decidiam o restaurante para jantar. E havia muita tralha para desmontar.
As bandeiras, distribuídas abundantemente no início – vários eram os que acenavam com uma em cada mão – recolheram. Algumas ao caixote do lixo. Rio não tinha convencido uma habitante da Rua Escura, ali ao chegar à Sé do Porto. Ela foi lá ouvir, com o amigo que veste a camisola PSD, mas estava decidida a votar BE (que também lá andou, minutos antes de Rio). “Não gostei”, disse à Visão. Até porque Rio nunca lhe deu uma casa quando era presidente da Câmara do Porto.