Não foi a primeira que subiu ao palco nesta campanha e, quando o fez pela primeira vez, logo no arranque da campanha oficial, o seu nome já se tinha tornado um dos assuntos principais na arena do combate político que o PS travaria com o PSD nas últimas duas semanas. Esta quinta-feira, em Setúbal, Mário Centeno voltou a ter o palco de um comício do PS – e, durante exatamente três minutos e 37 segundos, o ministro das Finanças desmontou, atacou e ridicularizou o cenário macroeconómico que os sociais-democratas apresentaram para a campanha. O mesmo programa com que Rui Rio queria agendar um frente a frente de “centenos”. Um “passe de mágica”, uma “aldrabice”, uma receita “totalmente inventada”, uma “ilusão”. A resposta de Centeno foi pródiga em adjetivos e desembocou numa ideia: O programa eleitoral do PSD “começa com cenário do Conselho de Finanças Públicas, mas acaba com o cenário do professor Pardal, uma invenção sem nexo nenhum”.
Com a estátua do poeta setubalense Bocage ao fundo, Mário Centeno até começou por aventurar-se pelos versos. Defendeu que, “no dia 6 de outubro, a escolha que Portugal merece é o voto no PS”; e também ensaiou a ideia de que “eles [PSD e CDS] não sabem nem sonham que é a confiança na estabilidade que comanda a vida”. Mas a depois centrou-se no principal adversário do PS no próximo domingo. “Vamos agora à constatação… Para aqueles, poucos, que ainda não perceberam o passe de mágica no cenário macroeconómico do PSD, eu vou explicar.” O olhar dirigiu-se ao fundo da praça. “Onde é que está a câmara?” E então arrancou.
“Olá, dr Rui Rio, boa noite. Eu sei que está sempre muito atento ao que eu digo. Estou, agora, também a falar para si. A sua magia não é nada de especial, funciona como a daqueles comerciantes, felizmente poucos, com poucos escrúpulos, que aumentam o preço antes da época do saldo”, começou por dizer. “A isso, os portugueses chamam aldrabice”. Esse foi só o primeiro ataque
Vale a pena transcrever aquele longo monólogo sem direito a resposta que o ministro-candidato Centeno protagonizou em Setúbal. “Para justificar o aumento do preço, o PSD deu uma demão no PIB ao velho modelo de choque fiscal 1.0 de 2002 que tinham lá por casa. Insuflou, de receita fiscal, receita totalmente inventada, e depois diz que a vai baixar: Mas vai baixar exatamente o quê, dr. rio? Isso, todos já percebemos: vai baixar a receita de impostos que inventou, elimina o que não existe, uma pura ilusão”, defendeu Mário Centeno.
E o número continuou, agora em diálogo com a plateia. “Estão a ver o golpe? Amanhã começa a época de saldos. Vamos lá aumentar o preço para, depois, o cortar. Na realidade, o dr Rui Rio escreveu nas letras muito pequenas do prospeto de venda um verdadeiro aumento de IRS para 2,5 milhões de famílias pobres que passariam a apagar 40 euros por ano” juntou-lhe um aumento do IRC “para 300 mil Pequenas e Médias Empresas” em Portugal. “Aquilo que o dr. Rio nos vende é o mesmo velho carro, mas agora sem motor, com uma pintura novinha em folha. Tentou um truque baratucho que, normalmente, acaba em liquidação total”, prosseguia Centeno.
A seguir, apontou ao “autor da campanha publicitária”. Não nomeou o interlocutor mas a mensagem soava a recado para Joaquim Sarmento, o economista responsável por desenhar o cenário macroeconómico do programa eleitoral do PSD. “Diz o autor de campanha publicitária – que, afinal, gosta menos de ser deputado que o líder do PSD – que começa com um cenário do Conselho de Finanças Públicas, mas acaba com o cenário do professor Pardal: uma invenção sem nexo nenhum”, rematou Mário Centeno.
O líder do PSD disse que tinha o seu próprio Centeno. Sugeriu um frente a frente entre o ministro das Finanças e Sarmento, mas o algarvio a quem Costa entregou as contas públicas recusou o desafio: só debatia com candidatos. Rio ainda sugeriu que Sarmento podia dar uma “aula” de Finanças Públicas a Mário Centeno e, agora, estavam num impasse para o eventual debate. O ministro antecipou-se e, a partir de Setúbal, atirou com estrondo contra o documento elaborado pelo PSD para as eleições de domingo.
A intervenção durou cerca de 20 minutos. Durante esse tempo, o candidato do PS por Lisboa ainda acusaria o PSD de falhar a mensagem. “O PSD não fala para o centro, o PSD fala para dentro e, como está vazio, aquilo que se ouve é um eco, e é por isso mesmo que diz todos os dias a mesma coisa”, disse Centeno. Mas também acusou os sociais-democratas de falarem para “os radicais que embarcam em histórias e promessas vãs”.
Direita e esquerda pedem “banquete”. Costa paga
É certo que o grosso da intervenção de Mário Centeno foi direto à São Caetano à Lapa. Mas o candidato algarvio que António Costa lançou agora por Lisboa também levou recados para os parceiros da “geringonça” em que o PS se apoiou durante os últimos quatro anos.
“À esquerda e à direita, todos se deliciam com um banquete pago com os resultados das políticas certas do dr. António Costa”, disse Centeno. Se os eleitores seguirem a receita dos partidos à esquerda do PS, “acabamos a pagar ainda mais” – palavra do Cristiano Ronaldo das contas públicas. “Não é solução entregar o país a quem quer por em causa a sua credibilidade, propondo sair do euro e não pagar a dívida”, defendeu Mário Centeno.
António Costa tem repetido até à exaustão o pedido de que o PS saia reforçado das eleições de domingo. Essa é condição essencial para garantir a “estabilidade” política nos próximos quatro anos. Esta noite, o secretário-geral socialista diria mesmo que “a escolha” do próximo domingo “é clara: ou é a de um Governo do PS ou a de um governo sem o PS.” E, em jeito de aviso, ainda acrescentou que “um Governo sem o PS ninguém sabe como será”. Daí o “conselho” aos eleitores: “não experimentem, não corram esse risco” porque “será seguramente pior que o Governo do PS”.
Manuela Eanes ressuscita Tancos
Falou Mário Centeno, falou António Costa mas também falaram figuras do PS de Setúbal. Pedro Marques está há quatro meses em Bruxelas. Depois de ter encabeçado a lista do partido ao Parlamento Europeu, esta corrida já não é a sua, mas isso não o impediu de subir ao palco para fazer o prenúncio da “enorme derrota da direita portuguesa” no próximo domingo. Ana Catarina Mendes também falou. E trazia uma pergunta: “Onde está Passos Coelho nesta campanha?”, ele que vaticinou o falhanço da Geringonça e que chegou a garantir, se o desfecho fosse diferente, até ele votaria nesta solução.
Mas o dia tinha começado muitas horas antes. A caravana arrancou o dia em Magualde e, já ao final da tarde, pouco antes de cruzar o Tejo, os socialistas participaram numa arruada de cerca de uma hora pelas ruas de Lisboa. Estiveram lá Fernando Medina, Duarte Cordeiro, Jorge Lacão, Isabel Moreira, entre outras figuras socialista. Mas também houve tempo para um apoio simbólico.
O momento estava previamente combinado. A arruada ia a meio quando Manuela Eanes se lança na direção de Costa. A antiga primeira dama trazia recados preparados. Foi por um “dever de cidadania” que ali se mostrou, para dizer que “António Costa foi, nas diferentes funções que exerceu, um político íntegro”. A benção estava dada.
Depois, Manuela Eanes voltou ao passado recente. Um passado de que ninguém na caravana socialista queria voltar a falar e que já tinha marcado grande parte da campanha: o caso de Tancos. A antiga primeira dama falou sobre esse “caso gravíssimo da instituição militar” para defender “muita firmeza” na hora de apurar responsabilidades. O despacho de acusação foi conhecido na última quinta-feira e acabaria por marcar a troca de acusações entre os diferentes partidos e o PS. Eanes considera não gostou de ver e sentenciou: o caso tem sido “deploravelmente” usado do combate político.