No arranque do terceiro dia de campanha, António Costa deu um salto ao passado. Numa nota “pessoal, voltou a 1991 e aos três primeiros decretos-lei que redigiu e assinou, quando se estreou como deputado à Assembleia da República, para defender um “combate permanente” contra o racismo e a discriminação em Portugal. Na Associação Cabo Verdiana, em Lisboa, o secretário-geral do PS centrou a mensagem nesse eleitorado e apontou duas medidas para a próxima legislatura: separar o combate ao racismo da política de integração de imigrantes e retirar do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a competência para atribuir autorizações de residência a quem vem de fora para trabalhar em Portugal.
Regularização extraordinária dos imigrantes ilegais, fim dos obstáculos no acesso à habitação social e a garantia do direito ao voto nas eleições autárquicas – foram esses os três primeiros diplomas que saíram do punho do então jovem deputado socialista António Costa. “Tudo isto nos parece bastante estranho hoje”, reconheceu o agora recandidato à Assembleia da República, mas também líder do PS.
Nessa viagem ao início da carreira política, Costa ainda passou pelos anos do cavaquismo para lembrar o tempo em que o Estado português se recusava a atribuir licenças a dentistas que vinham do Brasil para trabalhar em Portugal; ou o tempo em que se “mobilizava a polícia” para impedir “Vuvu e a sua filha Grace” de entrarem em território nacional; ou então quando “o primeiro-ministro e o ministro da Administração Interna convocavam reuniões de emergência do Conselho Superior de Segurança Interna para deter as brasileiras de maus costumes” que queriam vir para Lisboa.
Arqueologia política que o líder socialista desenterrou para explicar que, apesar do “grande avanço do país”, não se pode baixar a guarda. “Não há país nenhum imune ao racismo”, defendeu Costa. E se nalguns esse racismo ganha força de lei, noutros – como Portugal, sugeriu –, ele vai avançando de forma “subliminar”.
Ainda havia duas mensagens para entregar: a primeira, para sublinhar a abertura do atual Governo. É que “só em 2015”, assinalou Costa, “uma negra se declarou membro de um Governo em Portugal”; a segunda, a pensar no futuro e nas carências demográficas do país. “Portugal precisa de imigração” e, por isso, é preciso avançar com “medidas de imigração inteligente” que tragam mais gente de fora. Uma solução passa por acabar com a “absurda” existência de quotas laborais como pré-requisito de entrada no país.
Ainda não se ouvia “Sodade” quando António Costa acabou de falar – esse momento estava guardado para o almoço (a tradicional cachupa) – mas a intervenção termina como começou. “Talvez com menos ingenuidade” que há 28 anos, o líder socialista garante “a mesma vontade” que tinha em 1991 de abrir as portas a quem queira entrar em Portugal.