Longe vão os tempos em que o canal do Estado transmitia debates com quase quatro horas. Nesse período de fervor pós-revolucionário, não havia censura social a que se fumasse em direto, nem espaço para assessores e spin doctors incumbidos de plasticizar tanto quanto possível os candidatos. Em 45 anos, acabaram os cigarros e as imagens a preto e branco. Vieram outros vícios, um desencanto crescente em relação aos políticos e o cinzentismo dos frente a frente cronometrados ao segundo, com regras espartanas, e quase desumanizados.
Na segunda década do século XXI, ignorar os atores políticos e respetivas ideologias, as soluções que têm para o País e as suas diferenças tornou-se normal. Mas nem sempre foi assim. No dia em que António Costa e Rui Rio travam o derradeiro duelo televisivo rumo às legislativas de 6 de outubro, que terá transmissão simultânea na RTP1, SIC e TVI, a VISÃO dá-lhe uma boleia até ao passado para reviver os debates que definiram os vencedores e os vencidos da democracia portuguesa.
Maior que todos os outros
6 de novembro de 1975
Se não teve o privilégio de ver, fica o conselho: reserve 3h40, prepare uma boa dose de café, evite as lentes de hoje para ajuizar o que se passou no estúdio da RTP e aproveite a “borla” do Youtube. De um lado, à esquerda, estava Mário Soares (e o socialismo democrático, apoiado por grande parte da direita e amparado pelos EUA); do outro, à direita, sentava-se Álvaro Cunhal (e o sonho revolucionário, as nacionalizações, a ocupação das terras e a inspiração soviética à qual o próprio chamava “sol da Terra”).
Ao centro, encontravam-se Joaquim Letria e José Megre, os moderadores do frente a frente, que não se coíbiam de puxar do cigarro em direto e de deixar a conversa fluir como se os quatro estivessem na sala de estar dos telespectadores.
A conversa, densa, dura, profundamente ideológica, ainda que educada e expurgada dos soundbites que dominam a política contemporânea, passou pela oposição entre democracias ocidentais e populares, pelas reformas sociais que seriam necessárias e pelas diversas matizes do socialismo.
Menos de uma semana depois, o PCP pôde cantar vitória pela declaração de independência de Angola proclamada pelo MPLA, mas 19 dias volvidos chegaria, para os comunistas, o revés do 25 de Novembro. Para a memória coletiva ficou a resposta de Cunhal quando Soares o acusou de pretender implementar um regime ditatorial em Lisboa, à imagem e semelhança do que vigorava em Moscovo: “Olhe que não, olhe que não…”
A irmandade renegada
2 de janeiro de 1986
Companheiros de luta contra o Estado Novo, fundadores do PS na clandestinidade, chegaram a ser número um e número dois do partido. Contudo, a relação de Mário Soares e Francisco Salgado Zenha foi começando a azedar em 1976, quando o histórico líder dos socialistas deixou aquele a quem em tempos chamara “consciência moral” do PS fora do Governo.
Já em 1980, Soares recusou apoiar a recandidatura de António Ramalho Eanes à Presidência da República, decisão que mereceu a condenação de Zenha, que se juntou ao chamado ex-Secretariado socialista, onde já despontavam António Guterres e Jorge Sampaio.
A rutura total, ainda assim, estava guardada para as presidenciais de 1986, para um debate ainda antes da primeira volta, travado na ressaca de uma derrota histórica dos socialistas nas legislativas de 1985 (20,8%), desgastado pela governação em Bloco Central, que teve de enfrentar a segunda intervenção do FMI no País. Soares contava com o apoio de um PS fraturado e erodido eleitoralmente; Zenha tinha o PRD e o PCP do seu lado.
A páginas tantas, e em tom sorumbático, Soares desabafou: “Éramos como irmãos.” Zenha, que abandonara o “tu” de toda a vida e insistia em tratar o adversário por “dr.”, ripostou com uma frase que “matou” as suas aspirações eleitorais: “Eu nunca fui seu irmão.” Explicação: o ministro da Justiça de quatro governos provisórios entendeu a irmandade como uma referência à Maçonaria, mas era de amizade que o homem que viria a ser eleito Chefe do Estado estava a falar. O povo percebeu Soares e penalizou a rejeição pública de Zenha.
A “remontada” socialista
6 de fevereiro de 1986
Na primeira volta dessas presidenciais, Soares traçou uma linha que lhe permitisse chegar à segunda volta. Esse risco separava a “esquerda democrática” (que o próprio representaria) e a “esquerda totalitária” (do PCP e de outras forças de esquerda, que gravitavam à volta de Zenha). Todavia, os votos do resto da esquerda seriam necessários para bater o homem que congregava toda a direita, Diogo Freitas do Amaral, que contava com a bênção do CDS e com o apoio do PSD, que o impusera ao aparelho “laranja”.
No frente a frente que, 33 anos depois, os apoiantes de Freitas admitem ter sido um erro, Soares, que se posicionou como o equilibrador dos primeiros passos da tenra democracia portuguesa, foi com tudo para cima do oponente. Recuperou o fantasma do fascismo, condenou as companhias do fundador dos democratas-cristãos – ataque que não ficou sem resposta – e saiu por cima de uma discussão acalorada.
Antes disso, recorde-se, Cunhal decretara o fim da cruzada contra o PS, sob pena de os comunistas entregarem de bandeja o poder ao “praticamente fascista” Freitas. O resto é História: Soares venceu as mais disputadas presidenciais de sempre, com uma curta vantagem de 139 mil votos.
Sem apelo nem afeto
28 de novembro de 1989
Há dias assim. Talvez seja essa a melhor maneira de resumir o frente a frente em que Jorge Sampaio “atropelou” Marcelo Rebelo de Sousa. Por falta de opções válidas no PS, o ex-Presidente – que vivia tempos difíceis no Largo do Rato -, teve de se chegar à frente e enfrentar o hiperativo candidato do PSD (com CDS e PPM à mistura) à Câmara Municipal de Lisboa.
Bastou um debate para destruir uma campanha agressiva em que Marcelo fez o inimaginável. Mergulhou no Tejo, angariou 4.900 escudos a conduzir um táxi pelas ruas da capital e ainda ajudou os trabalhadores da recolha de lixo a carregar contentores malcheirosos durante uma noite.
Há 30 anos, ainda sem a bagagem das elaborações na rádio e na televisão – só 20% dos eleitores alfacinhas sabiam quem era o social-democrata -, o carisma e a ousadia do agora Chefe do Estado não foram suficientes para compensar a ausência de killer instinct e o “respeitinho” pelo adversário, nove anos mais velho.
O comunicador vertiginoso desapareceu, sobrou o académico inseguro. O professor de Direito foi “engolido” pelo advogado com experiência de barra e tarimba das lutas estudantis. Marcelo saiu da antena a confessar que talvez tivesse desapontado os seus apoiantes. E, em bom rigor, perdeu as eleições nesse dia.
Curiosidade: até 2016, o Presidente não voltou a concorrer a qualquer sufrágio. Curiosidade II: já em 1989, António Costa foi o artífice dos entendimentos do PS com as forças à sua esquerda.
O desafio ao Presidente Sol
6 de dezembro de 1990
Basílio Horta bem esperneou, bem denunciou os males do socialismo e os pecados do soarismo, bem arremessou os trunfos do fax de Macau e da pertença à Maçonaria francesa, mas Mário Soares, em 1991, habitava outra galáxia. A popularidade do Presidente, findo o primeiro mandato, era avassaladora (à semelhança do que pode vir a suceder em 2021 com Marcelo Rebelo de Sousa). E o apoio do PSD de Cavaco Silva tornavam-no imbatível.
Basílio era frenético, inflamável e arreliava-se amiúde com a esquerda. Sim, esse mesmo Basílio que liderou o AICEP durante a governação de José Sócrates e que hoje preside à Câmara de Sintra como independente eleito nas listas socialistas.
Em 1991, quando era secretário-geral do CDS, foi a jogo contra o então inquilino do Palácio de Belém para preencher o vazio que existia no centro-direita. Em vão. Não foi além dos 700 mil votos (14,2%), contra os contudentes 3,5 milhões (70,4%) de Soares. Ao cuidado dos potenciais challengers de Marcelo.
O KO da “picareta falante”
6 de setembro de 1995
O editorial do Público no rescaldo do frente a frente transmitido pela RTP1 era categórico: “Foi um debate ganho no primeiro minuto: a impressionante descontração de António Guterres chocou de imediato com a mal disfarçada insegurança de Fernando Nogueira.” De facto, de pouco serviu ao presidente do PSD ter demonstrado conhecimento dos métiers da governação, até porque sublinhá-lo implicava recordar os portugueses de que tinha sido transversal à década de cavaquismo.
Ainda para mais, a “picareta falante” – a alcunha de Vasco Pulido Valente jamais descolou de Guterres – era de uma eficácia clínica: tinha sempre resposta engatilhada e fazia do soundbite uma arma poderosíssima. Juntando-se a esse fator a absoluta novidade no estilo, por comparação com um Cavaco que fugia dos debates como o diabo da cruz, o confronto tinha o desfecho definido ainda antes de os candidatos se sentarem à mesa. Uma semana depois, Guterres e Nogueira voltaram a encontrar-se, na SIC, mas a maioria do eleitorado já tinha decidido.
Batatas, arrobas e ódios
Setembro de 1999
Nas legislativas seguintes, António Guterres propôs um modelo a que o Expresso chamou, há quatro anos, uma “barrigada de debates”. O ainda vigente todos contra todos. Os líderes dos partidos com assento parlamentar digladiavam-se à vez, em horário nobre. O primeiro-ministro tinha consciência do seu talento diante das câmaras e foi despachando, um a um, Durão Barroso, Paulo Portas e Carlos Carvalhas.
A 16 de setembro, o presidente do PSD, que tinha como metas mais ambiciosas impedir a maioria absoluta dos socialistas e “varrer” Portas do mapa político nacional (depois da debacle de uma segunda Aliança Democrática), levou vários gráficos para os estúdios da SIC para expor o mau desempenho do Governo. A iniciativa foi pouco eficaz, mas, quatro dias depois, o líder do CDS, também perante Guterres, foi ainda mais longe.
Em modo defensor da lavoura, pôs duas batatas em cima da mesa (uma produzida em Portugal e outra em Espanha) e procurou provar a “enorme” desvantagem competitiva dos agricultores do lado de cá da fronteira. O número não surtiu grande efeito.
Para a História mais depressa ficará a atrapalhação de Guterres e Portas (ambos pouco dados a tecnologias) a identificar um símbolo – @ – que o tempo normalizou. O chefe dos centristas lá o reconheceu, mas não foi capaz de contrariar a superioridade do primeiro-ministro no resto do frente a frente. A reação foi biliar: deixou Carnaxide sem se despedir do oponente e do moderador, José Alberto Carvalho.
No que toca ao embate entre Durão e Portas, o que se esperava: roupa suja e muitos insultos. “Maoísta”, “nazi”, “estalinista” e “troca-tintas” foram apenas algumas das expressões que se ouviram…
Mano a mano
Dezembro de 2001
Dos debates que aqui recordamos este terá sido, porventura, dos menos relevantes, ainda que Helena Sacadura Cabral o deva ter vivido com especial emoção. Numa entrevista à Sábado, reconheceu que gravou o duelo fratricida, mas que só ligou o som depois de os filhos terem telefonado a garantir que o poderia fazer.
Na corrida à Câmara Municipal de Lisboa, em 2001, o “mano velho”, Miguel Portas, pelo BE, e o “mano novo”, Paulo Portas, com as cores do CDS, mediram forças e deixaram bem claro que, na política, era mesmo muito menos o que os unia do que aquilo que os separava.
Pedro Santana Lopes “roubou” a autarquia a João Soares; Paulo Portas prometeu que ficava em Lisboa e não ficou; e só a demissão de Guterres evitou que o líder do CDS lesse a carta (já escrita) em que comunicava ao País que também ia mudar de vida. Miguel Portas não foi eleito vereador.
Feio, porco, mas bom
3 de fevereiro de 2005
Era praticamente impossível não ser rasgado do princípio ao fim. José Sócrates e Pedro Santana Lopes mal podiam ver-se e, depois de Jorge Sampaio ter dissolvido a Assembleia da República, estavam reunidas todas as condições para uma verdadeira “campanha negra”, como acusou o secretário-geral do PS, mais do que uma vez, fazendo alusão aos rumores sobre a sua alegada homossexualidade.
Altamente profissional na abordagem ao frente a frente, Sócrates aproveitou a abébia de Santana, uns dias antes, que agradecera o “apoio e mimos” que lhe estavam a ser dados por mulheres na campanha, enquanto “o outro candidato” teria “outros colos”, para se vitimizar. E funcionou.
O tom crispado dominou o resto da hora e meia de discussão, transmitida pela RTP2 e pela SIC, com regras muito rígidas para réplicas e tréplicas.
No balanço, a imprensa dividiu-se quanto ao vencedor, mas esteve alinhada no essencial – o embate tinha sido travado sob um manto de boatos e insinuações. Apesar da tensão e das ventoinhas a girar, foi dos melhores frente a frente de que há memória.
Abençoado silêncio
15 de fevereiro de 2005
Nessas mesmas eleições, Jerónimo de Sousa demonstrou que o ditado “A palavra é de prata, o silêncio é de ouro” deve ser levado muito a sério. Sendo certo que nos últimos dias de campanha apresentava problemas na voz e que já estivesse a ser acompanhado por especialistas, durante o debate a cinco (com Sócrates, Santana, Portas e Louçã), o secretário-geral do PCP ficou mesmo incapaz de falar.
Ora, o aparente handicap acabou por ser… uma vantagem. Ter ficado afónico, em direto, na RTP, humanizou ainda mais um líder que já tinha uma aura de simplicidade e simpatia. “Perdi a voz, mas não perdi a esperança. No dia 20, votem na CDU e obrigado pela vossa compreensão”, atirou, antes de abandonar o estúdio, sendo saudado por todos os adversários. Estava ganho o debate – ninguém recorda o que se passou a partir daí.
“Que grande ordinário!”
15 de setembro de 2005
Do debate em si pouco resistiu até 2019. Talvez os mais atentos à cena política ainda se lembrem que, há 14 anos, no meio de muito wrestling verbal, António Carmona Rodrigues e Manuel Maria Carrilho lá se empenharam um bocadinho em trocar argumentos sobre a construção do túnel do Marquês de Pombal e do casino de Lisboa. No entanto, o encontro que opôs os dois principais candidatos à maior autarquia do País só ficou decidido, como se diz em “futebolês”, no período de compensação.
Após João Adelino Faria ter encerrado o frente a frente, Carmona, apoiado pelo PSD, dirigiu-se a Carrilho, candidato do PS, para o cumprimentar, mas ficou de mão estendida. Uma equipa de reportagem da SIC já se encontrava no estúdio e captou tudo. “Então não cumprimenta? Extraordinário! Que grande ordinário!”, desabafou o homem que viria a chefiar o município. O episódio foi esmiuçado ad nauseam nos dias seguintes e Carrilho, mais tarde, até lançou um livro (Sob o signo da verdade) em que contou a sua versão da noite em que lhe ficou colada a etiqueta de mal-educado.
E tudo Cavaco levou
15 de dezembro de 2005
É da natureza humana. Sempre que alguma zanga familiar extravasa as quatro paredes, os vizinhos saltam para as janelas ou, se forem mais discretos, põem-se à escuta. No fundo, foi disso que se tratou na campanha para as presidenciais de 2006. Manuel Alegre tinha tudo planeado para ser o candidato do PS, mas Mário Soares, ao seu melhor estilo, não pediu licença a ninguém e limitou-se a comunicar a José Sócrates que ia fazer-se à estrada e tentar aquilo que nunca tinha sido conseguido em Portugal: a mesma pessoa ser eleita para um terceiro mandato em Belém.
Quanto ao debate propriamente dito, Soares e Alegre tentaram mensurar qual deles era o mais anticavaquista e explorar diferenças que eram pouco substanciais. O problema é que a divisão do eleitorado socialista estendeu a passadeira a Cavaco Silva, que, depois de dez anos de ocaso, estava pronto para tratar do assunto logo à primeira volta.
Cinco anos mais tarde, já fora das disputas eleitorais e do roteiro da carne assada, Soares criticou Sócrates por entregar o apoio do PS a Alegre. Se fossem necessárias provas de que as feridas nunca voltaram a sarar…
O ataque à classe média
8 de setembro de 2009
Este é daqueles casos que confirmam a ideia de que, em política, o que parece é. A caminho das legislativas que viriam a “roubar” a maioria absoluta ao PS, José Sócrates e Francisco Louçã enfrentaram-se, depois de uma legislatura em que animaram, e muito, os debates quinzenais na Assembleia da República. O coordenador do BE sabia que podia ganhar eleitorado da franja esquerda dos socialistas, mas pôs o pé na argola. Foi incapaz de explicar uma medida que os bloquistas inscreveram no programa com que iam a votos e Sócrates não perdoou.
O BE pretendia limitar as deduções das despesas das famílias com Educação e Saúde e o primeiro-ministro vislumbrou na medida um ataque inaudito à classe média.
Não há dinheiro!
12 de setembro de 2009
Para a então presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, José Sócrates não percebia nada de economia. Chegou a verbalizá-lo no Parlamento e não o negou no debate, na SIC. Sócrates ensaiou o papel do líder político humilde e iniciou a narrativa de que o descalabro nacional não representava qualquer falhanço da sua governação. Insistiu na necessidade de aumentar o investimento público para fazer face aos ventos de retração que chegavam dos EUA e insistiu na importância do TGV, que, em tempos idos, Ferreira Leite (ministra das Finanças de Durão Barroso) também defendera.
A líder social-democrata bem tentou explicar que as circunstâncias tinham mudado e que o País não podia endividar-se mais com as tais obras faraónicas, mas ninguém parecia realmente disposto a ouvi-la. Em maio, Paulo Rangel vencera as europeias, mas Ferreira Leite foi incapaz de dar sequência à onda vitoriosa dos “laranjinhas”. Depois, foi o que sabemos: os PEC, a queda do Governo e os anos de chumbo da troika.
BPN, BPN, BPN…
23 de dezembro de 2010
A caminho das presidenciais de 2011, Defensor Moura acabou por funcionar como o homem que atirava, sem freios, aquilo que o PS institucional não podia sequer sugerir sobre Cavaco. O debate teve pouco interesse, até porque girou sempre em torno do escândalo do BPN, que era tóxico para o Presidente e que Defensor Moura surfou durante todo o frente a frente. O candidato disse de Cavaco o que Maomé nunca disse do toucinho. Ao ponto de, já irado e de dedo em riste, o ex-chefe do Governo ter proferido aquela frase lapidar: “Para serem mais honestos do que eu têm de nascer duas vezes!”
Quando Cavaco e Manuel Alegre se enfrentaram, Alegre percebeu que não poderia imitar o camarada. Titubeou e não conseguiu capitalizar um caso que queimava o adversário.
Para troika ver
20 de maio de 2010
Apesar de ter sido o debate mais visto de sempre (1,585 milhões de telespectadores) transmitido num só canal, esteve longe de ser o mais espetacular ou, sequer, decisivo. José Sócrates sabia que estava prestes a ser arredado do poder; Pedro Passos Coelho tinha a noção de que o chumbo do PEC IV faria com que este lhe caísse ao colo (e bem que estava a ser empurrado dentro do partido para forçar eleições).
Para o líder socialista, a realidade era insofismável: fora o PSD a escancarar as portas à intervenção da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional e até hoje não consegue abandonar essa teoria.
Passos, por seu turno, limitou-se a gerir a vantagem conquistada nas sondagens nos meses anteriores e explorou sempre a perda de credibilidade interna e externa do adversário. Além disso, percebeu que a crise era uma oportunidade para assumir um projeto de mudança e que os eleitores não desdenhavam uma guinada mais liberal do PSD. A bancarrota ditou que assim não fosse, como todos sabemos que aconteceu com o “enorme aumento de impostos” anunciado por Vítor Gaspar.
Promiscuidade, suspeição e populismo
23 de setembro de 2014
A vitória por “poucocinho” do PS nas europeias de maio fizera eclodir uma guerra que estava escrita nas estrelas. António Costa avançou contra António José Seguro e os debates foram intensos e duros. O ainda secretário-geral socialista passou semanas a insinuar que o adversário era o candidato do statu quo e da promiscuidade entre a política e os negócios.
Só no último frente a frente, na RTP1, Seguro concretizou e deu um nome aos alegados conflitos de interesses: Nuno Godinho de Matos, porta-voz dos fundadores socialistas que apoiavam Costa, que tinha sido administrador do BES e confessara, em entrevista ao Expresso, ter sido nomeado por razões políticas.
Costa retorquiu ao frisar que o líder não tinha o direito de diabolizar os seus apoiantes e simpatizantes nem de fazer acusações genéricas. “Quem recorre ao insulto e cede ao populismo não tem condições para ser secretário-geral do PS”, devolveu.
O duelo acabou com António Luís e António José a sobreporem as vozes e sem que ninguém se entendesse. Menso de uma semana depois, as primárias do PS determinaram o “adeus” prematuro de Seguro à política.
A geringonça anunciada
14 de setembro de 2015
Em 2019, a duas semanas de novas legislativas, não é segredo para ninguém que ainda antes de os portugueses irem às urnas em 2015 já António Costa iniciara as démarches para fazer cair um muro tão antigo quanto a nossa democracia. Recuando ao debate entre o secretário-geral do PS e a coordenadora do BE, o puzzle monta-se com relativa facilidade.
O desafio de Catarina Martins foi cristalino: se os socialistas deixassem cair do seu programa o corte de 1660 milhões de euros (através do plafonamento da Seguraça Social), se abandonassem a redução da Taxa Social Única a cargo dos patrões e se abdicassem do regime conciliatório que flexibilizaria os despedimentos, o Bloco estaria disponível para no dia seguinte “conversar sobre um Governo” que pudesse “salvar o País”. Costa respondeu “nim” e manteve o tabu durante toda a campanha, mas estava a ser feito o pré-anúncio da geringonça. E ninguém reparou.