Nesta terceira parte da série de reportagens sobre o interesse da geração Z pela política começamos a questionar a validade do título que acompanhou os três artigos: serão estes novos jovens mesmo “desinteressados”? As conclusões ficam para os leitores. Mas nada se deve assumir sem antes apresentarmos uma terceira perspetiva: a daqueles que, sem partidos ou atividade política dita tradicional, querem mudar o que está errado, lutar pelos seus direitos e defender as causas em que acreditam.
Grandes exemplos na sociedade portuguesa não faltam, mas tivemos de escolher apenas três. Todos de áreas bastante diferentes e com percursos pessoais e profissionais também distintos. Do associativismo estudantil, conversámos com Sofia Escária, 23 anos, presidente da Federação Académica de Lisboa; das iniciativas políticas, conhecemos Pedro Ferreirinha, 22 anos, um dos cérebros por trás da campanha “Desta vez eu voto”; por fim, do ativismo ambiental, demos voz a Clara Pestana, uma das organizadores da Greve Climática Estudantil, com apenas 13 anos de idade.
O que todos têm em comum? A vontade de mudar o que está errado no mundo e, sobretudo, a proatividade para fazer disso mais do que uma vontade. Partilham também o facto de não pertencerem a nenhum partido político.
Querem ser politicamente ativos. Então, porque se afastam dos partidos?
Pedro diz que “ainda não surgiu o momento [de aderir]”. “Tenho as minhas opiniões, a minha orientação política mas eu gosto de estar numa posição que me permite discordar e não seguir como um cordeiro as orientações e ideologias de um determinado político” acrescenta. O jovem licenciado em Direito reconhece as vantagens de pertencer a um partido político mas, por agora, prefere ficar de fora, para desfrutar de maior “liberdade”.
Sofia Escária tem ainda menos vontade de se juntar a um partido: “tenho ideias, tenho coisas que me movem, objetivos, coisas em que acredito e trabalho para as alcançar. Luto por elas, desprovida de qualquer ideologia”. Mas, procurar manter-se informada sobre a atualidade política (até porque faz parte da sua atividade). Segundo a própria “uma juventude partidária podia desvirtuar um pouco” a sua participação política.
Opinião que partilha com Clara Pestana, dez anos mais nova que Sofia, mas que também não se imagina num partido político: “Para já não queria juntar-me realmente à política, talvez mais tarde… Acho que tenho mais impacto por estar a organizar a greve”, explica.
Quem são estes jovens e o que fazem pelo país?
Clara ainda tem muitas dúvidas do que quer ser quando for grande, mas por agora, é estudante e ativista. Fez parte da organização da Greve Climática Estudantil e trabalha com uma mão cheia de organizações ambientalistas. Conhece todos os partidos sentados na Assembleia e apesar de não saber “de cor” tudo aquilo que cada um defende, já leu muito e por isso tem uma ideia das propostas de cada um para salvar o planeta. Durante a entrevista, citou notícias que leu no Público e opiniões de colunistas.
“Não estou em nenhuma juventude. Mas, por mais que a esquerda nos apoie, acho que o clima deve ser uma causa apartidária”. Sobre os efeitos das greves climáticas já realizadas, a jovem admite que “passou um bocadinho ao lado”: “Eles [políticos] estão a ignorar o problema. Nós pedimos que declarassem emergência climática e eles disseram que sim, mas foi só falar… É um ato simbólico e nós queremos que se transforme em algo real. Que não seja só dizerem, mas sim agirem! Por isso é que vamos continuar. Não fomos suficientemente ouvidos”. Dia 27 de setembro haverá uma próxima, mas desta vez “não será apenas estudantil, mas de todos”, segundo a página de Facebook do movimento.
Pedro Ferreirinha também é sensível ao tema das alterações climáticas, menciona-o como um dos grandes desafios atuais da União Europeia. Mas o que o fez chegar até nós foi o seu empenho para combater a abstenção jovem. “A ‘Desta vez eu voto’ é um campanha a nível europeu, transversal a todos os estados-membros. Face à abstenção e desinteresse [jovem], o parlamento europeu decidiu tomar uma estratégia diferente, de proximidade” explica Pedro.
O jovem natural de Mirandela já estava envolvido em atividades organizadas pela Comissão Europeia, quando foi convidado para coordenar a campanha: “O lado bom [deste projeto] é que qualquer pessoa que esteja inscrita enquanto voluntária pode organizar os seus eventos. (…) Não sou uma pessoa [com formação em] relações internacionais, não tenho em vista exercer algum cargo na comissão europeia, nada disso. Foi um dever cívico”.
No âmbito do projeto, Pedro organizou sessões de esclarecimento e discussão,palestras sobre os assuntos europeus e a importância do voto. “[Este tipo de iniciativas] muito facilmente vem aos grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto” mas o jovem distinguiu-se, por levar estes eventos ao interior do país, nomeadamente à sua terra natal, Mirandela.
Voltemos a Lisboa, para apresentar o trabalho de Sofia Escária. Está a realizar um mestrado na área de economia, no ISEG. Contudo, conjuga a vida de estudante com a de líder associativa. A Federação Académica de Lisboa (FAL), organismo que preside, é uma das duas entidades na capital, que funcionam como estrutura federativa das associações de estudantes do ensino superior.
“Estávamos muito descontentes com aquilo que era o trabalho da Associação Académica de Lisboa e sentíamos que não éramos devidamente representados em termos federativos (…) Como tal, um conjunto de associações juntaram-se e criaram esta estrutura”. Trabalham em várias áreas, sempre em prol dos estudantes e do ensino superior, mas é na política educativa que se distinguem.
Na prática, “construímos, com as nossas associações, posições políticas sobre vários temas, como o acesso ao Ensino Superior, propinas, ação social, entre outros. Pronunciamo-nos sobre tudo o que diz respeito ao nosso sistema e elaboramos documentos para apresentar aos grupos parlamentares, ao ministério, à Câmara Municipal…” entre outras entidades.
O “desinteresse” dos jovens
Não podíamos deixar de perguntar à presidente da FAL, enquanto representante de vários jovens estudantes, se estes são mesmo desinteressados da política. E Sofia foi obrigada a reconhecer que, “infelizmente, muitas pessoas pensam que não vale a pena, que dá demasiado trabalho, estão desmotivadas e não se deixam cativar por estes aspetos políticos e, mais do que tudo, são muito céticos e incrédulos”.
Destaca, ainda assim, aqueles que a acompanham no associativismo (que ainda são bastantes) e que, mesmo sendo de áreas completamente diferentes, se esforçam para estar “ por dentro dos temas e defender os interesses dos jovens junto das instituições. Reforça que “o associativismo até é uma das causas mais nobres, somos estudantes a trabalhar para estudantes, de igual para igual”.
Já Pedro fala num “alheamento” e “desencanto” da juventude pela política. O próprio admite que a realidade é paradoxal: “nós somos a geração mais formada, temos acesso a toda esta informação como nunca ninguém teve, somos muitas vezes apelidados da geração easyjet porque viajamos para todo o lado, e depois somos aqueles que menos se interessam por política?”
A mente mais jovem desta reportagem acredita que “os jovens estão cada vez a tentar interessar-se mais e a tentar juntar-se a movimentos [políticos]. Mas há muita gente que acha que a política é uma ‘coisa de velhos’ e que só quando formos adultos é que vamos perceber o que é a política… até lá não interessa”.
O sentimento de que “não somos ouvidos”
O que pensam os mais velhos quando vêem uma rapariga de treze anos a ir para rua manifestar-se? E a reunir-se com partidos para discutir política ambiental? Clara conta-nos como foi com os próprios pais: “Os meus pais no início não percebiam muito bem (…) o meu pai queria que deixasse [o ativismo] para os outros, (…) a minha mãe teve assim algum tempo também, mas neste momento já apoiam e percebem que não vou desistir. Já dizem que se é para ir, para ir com tudo, e avançar”.
Além dos pais, as pessoas que não a conheciam olhavam com pouca seriedade para o movimento da Greve Climática Estudantil porque era, sobretudo, conduzido por jovens.
Nas tomadas de posição da FAL, os jovens também se sentem algo descredibilizados pela sua idade. Sofia lamenta a “pouca recetividade por parte dos agentes do sistema” para acolher as suas ideias e para os receberem. “A nós, Federação, são mais recetivos, mas apesar de tudo, as nossas intervenções e as nossas ideias não alteram assim tanto aquela que é a agenda política dos partidos”.
Felizmente, as coisas estão a melhorar. “Nós temos procurado inverter um pouco a lógica de que ‘os estudantes queixam-se de tudo, os estudantes queixam-se porque sim’ e temos procurado ter cada vez mais conteúdo e substância nas nossas reivindicações” afirma, acrescentando que o trabalho tem tido resultados positivos, e hoje são mais ouvidos do que eram antes.
Pedro concorda com esta visão, diz até que as campanhas políticas, por vezes, “infantilizam um bocadinho os jovens”. Mas nota também uma evolução positiva: “Já começamos a ver mais jovens autarcas e nas listas para as legislativas”. No fundo, “quem melhor para defender os interesses dos jovens que um jovem”.
O futuro (político e não só) desta geração
O jovem de Mirandela reconhece os dois lados da moeda: “Há muito trabalho a fazer pelas instituições e pelos políticos. Mas também, os cidadãos não são crianças. Não é ficando em casa que as coisas se tornam melhores”. Pedro relata que durante as sessões que organizou, apelou muitas vezes à iniciativa política e ao inconformismo: “se não estão contentes com os partidos que existem, então que criem e apresentem soluções novas!”.
Clara, como já referimos, não vai deixar a sua luta. Acredita que as coisas podem melhorar, mas para isso, é preciso que os partidos coloquem o ambiente como “prioridade número 1”. Nessa matéria, considera que os jovens não são “tão ouvidos como os adultos… mas acho que se estão a tentar fazer ouvir”.
Por fim, Sofia diz que nem todos os seus círculos de amigos e conhecidos se interessam tanto por estas questões. Ainda assim, de uma forma geral, há discussão e opiniões diferentes, o que “quer dizer que pensam sobre as coisas e acompanham. Isso deixa-me crente que isto vá melhorar no futuro”.