Entrevistámo-lo no recém -inaugurado parque de dinossauros, na Lourinhã, a seguir ao almoço. Quando acabou a conversa, a meio da tarde, meteu-se no carro para uma reunião em Montemor-o-Velho, a que chegaria atrasado. É assim o dia a dia do presidente da maior região de turismo de Portugal, que engloba 100 municípios, de Ovar a Sobral de Monte Agraço. O crescimento a dois dígitos dão-lhe força anímica para continuar a defender o “seu” território, dolorosamente ferido pelo fogo do ano passado.
Acaba de assinar uma parceria com a Nissan para ajudar à reflorestação da zona afetada pelos incêndios. Em que consiste?
Pela primeira vez, um construtor mundial de automóveis tem preocupações reais em contribuir para o processo de reflorestação de um território que foi atingido por incêndios. Além disso, também dará um contributo inestimável para alterar aquilo que é hoje um dos pontos críticos do destino.
A que ponto crítico se está a referir?
A perceção de insegurança e do desinteresse pelo produto, uma vez que estamos a falar de territórios que tinham na paisagem, nos trilhos, nos circuitos pedestres, na floresta, o seu principal foco de atração.
O que esta parceria traz de inovador à onda de solidariedade que já existe para com este território?
De facto, temos tido manifestações de solidariedade de muitas autarquias, do Governo, de várias organizações não-governamentais. Porém esta, em concreto, é diferente, por comparação ao que seria expectável de um construtor de automóveis. Por cada quilómetro percorrido em carros elétricos ou híbridos, será calculada a quantidade de CO2 libertada se os veículos não tivessem essas características. Essa contabilização será convertida em novas árvores, as necessárias para compensar essa libertação e recuperar a pegada que os carros tradicionais deixam.
Como é que isso será concretizado?
Através da parceria connosco e com o envolvimento do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que é responsável pela identificação dos territórios a reflorestar, das espécies a plantar, do número de árvores suscetíveis de serem plantadas.
Neste momento, há vários movimentos de iniciativa privada que andam no terreno. Há muitos movimentos espontâneos, como o da Ferraria de São João, onde a comunidade identificou a necessidade de reflorestar à volta da aldeia, criando um perímetro de segurança, em consequência dos incêndios de junho do ano passado. Decidiram arrancar as espécies consideradas nefastas e substituí-las por outras.
Mas também existem novas medidas oficiais para a floresta nacional?
O Governo lançou, há três semanas, na Marinha Grande, o primeiro processo público de reflorestação que vai ser no pinhal de Leiria. E também esteve em Tondela, com um plano ambicioso para a recuperação sobretudo das indústrias e empresas afetadas pelos incêndios.
Como está agora o território, quatro meses depois dos últimos incêndios?
Em muitos casos, já há processos concluídos de recuperação das habitações – a prioridade. E partimos agora para outra ação prioritária: com o Turismo de Portugal, a Comissão de Coordenação da Região Centro e a Secretaria de Estado do Turismo desenvolvemos um conjunto de campanhas para que as empresas do setor consigam recuperar substantivamente a atração de fluxo turístico.
Que percentagem dessas empresas está a operar como se nada tivesse acontecido?
Não podemos generalizar, porque há estabelecimentos atingidos que ainda não estão operacionais, como por exemplo em Tábua, Oliveira do Hospital ou Seia. Existe, no entanto, alguma normalidade em relação àquilo que acontecia antes dos incêndios.
Há números concretos?
Os do Instituto Nacional de Estatística permitem tirar algumas conclusões. Em setembro, a região Centro aumentou 19% em hóspedes e dormidas, 22% em outubro e 20% em novembro, o mês a seguir aos últimos incêndios. Curiosamente, lidera, em termos absolutos, o ranking de crescimento percentual comparativamente com o resto do País [Portugal cresceu 9%].
Isso é por ser a maior região de turismo do País e por ter muito mais do que os territórios afetados? Ou porque as pessoas foram, de facto, sensíveis à devastação da região?
Existem vários fatores. Há uma manifestação de solidariedade para com o Centro, particularmente no que diz respeito à estratégia de organizações nacionais, como o Turismo de Portugal ou a Secretaria de Estado que se envolveram diretamente no processo de recuperação destes territórios. A consciencialização nacional também é importante – lembro-me concretamente das ações do senhor Presidente da República (passei o Dia de Natal com ele, em Pedrógão Grande). Isso teve um valor adicional, pois um dos obstáculos mais difíceis de ultrapassar é a baixa autoestima de quem ali vive, já para nem falar das pessoas que perderam familiares e amigos.
Também não será alheio o facto de esta região abranger 100 municípios e de ter muito mais oferta do que os territórios afetados?
Sim, claro. Hoje a linha de convergência deste destino é muito maior do que outros do País. E isto tem a ver com uma mudança de estratégia na promoção de Portugal e com a preferência dos mercados externos.
Foram os estrangeiros que contribuíram para esse aumento?
Crescemos cerca de 30% no mercado externo, suportado sobretudo pelo Brasil, EUA e França.
Não eram turistas frequentadores deste território?
Desde sempre, os mercados emissores tradicionais do Centro foram Espanha, Itália e França.
O que os motiva agora a vir passear para o Centro?
O turismo religioso, por exemplo, e também a tendência dos mercados internacionais por produtos como a natureza, paisagem e cultura. Deixámos de ser apenas sol e praia. Hoje, Portugal tem uma aposta estruturada na gastronomia, no património, na História, no surf. E o Centro é, por definição, uma região multiproduto, que passa por Peniche ou Nazaré, mas também pela serra da Estrela, Tomar, Coimbra, Batalha, as termas ou o leitão da Bairrada.
Sendo uma região que engloba um terço do território nacional, como é que se cria uma identidade?
Ainda hoje estamos num processo de construção. Fizemos uma rebranding territorial, criámos uma logomarca, o que permitiu que todos os municípios se revissem numa estratégia de comunicação. E depois apostámos nas trilogias, conjugações com os vários produtos do Centro: por exemplo, o P serve para pera, porcelana e praia. No fundo, a diversidade é o nosso trunfo.
Há infraestruturas na região para suportar este aumento de 20% da procura?
O Centro tem 54 mil camas turísticas e a taxa de ocupação média fica perto dos 50 por cento. Há por isso capacidade para responder a este crescimento a dois dígitos, muito influenciado por alguns eventos, diga-se, como o centenário das aparições de Fátima.
A vinda do Papa insuflou muito os vossos resultados?
Estima-se que em média, por cada visita papal, os visitantes desse destino aumentem em um milhão nesse ano.
Quer dizer que em 2018 as percentagens vão ser diferentes?
Existem outras tendências, como o turismo associado aos desportos de deslize [como o esqui e o surf] e ao mar. Peniche ou Nazaré, com o surf, são atualmente um dos nossos focos principais da comunicação internacional. Mas o produto “congressos, incentivos e conferências” também é particularmente relevante e estruturante, porque permite a fruição dos 365 dias do ano e tem uma média de dormidas superior à da região.
Esse é um dos vossos calcanhares de Aquiles: as pessoas vão muito ao Centro, mas não ficam por lá muitos dias.
O Centro, com as suas seis milhões de dormidas, está com uma média de apenas 1,8 noites de estada.
Este território também é sazonal?
Sofremos com o problema do País, que começa finalmente a esbater-se. Percebemos que há um alargamento da base da procura turística e um ligeiro aumento das dormidas. Agora temos o birdwatching, um produto de nicho que também ajuda a combater esses problemas, pois tem estadas médias na ordem das cinco noites. Mais do que a sazonalidade, preocupa-nos a litoralização da atividade turística – precisamos que o fluxo turístico se desloque para o Interior.
Como é que isso se faz?
Através das parcerias que estabelecemos com os nossos homólogos de Lisboa e Porto, mas também com outra estratégia, que o Centro iniciou em 2017 – parcerias de promoção conjunta com Espanha. Hoje, temos um plano em mercados como o alemão ou o chinês para promover o território em conjunto. Com a Estremadura espanhola, passámos a comunicar vinte sítios com chancela UNESCO, em vez de oito. Além de aumentarmos os recursos e o número dos produtos, estamos a focarmo-nos numa parceria em que o nosso Interior fica no coração das duas regiões, e assim deixa de ser o extremo e passa a ser o meio.
E as Aldeias do Xisto, que importância têm na promoção da região?
A 23 Aldeias do Xisto e as 12 Aldeias Históricas são dois produtos com um grau de maturidade significativa, completamente profissionalizados e que estão no mercado de forma ativa e dinâmica.
Neste ano vão ser o destino nacional convidado da Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL). Que resultados espera?
Não podemos escamotear que o convite teve que ver com os incêndios do ano passado. Mas também somos um dos três destinos nacionais que mais turistas portugueses capta, e a BTL é essencialmente uma montra para o turismo interno. Esperamos, por isso, atrair ainda mais pessoas para o nosso território e tirar partido das reuniões internacionais que vamos ter. Isto também vai servir para criarmos laços dentro do território, já que vão estar no nosso stand 30 empresas (10 das quais têm os seus custos suportados por nós, por se tratarem de pequenas e médias estruturas das zonas afetadas pelos incêndios).
Uma das vossas apostas de crescimento é o turismo militar. De que se trata?
É um produto que está a ser estruturado. A primeira parceria foi assinada com a Associação do Turismo Militar Português, liderada por Álvaro Covões, mais conhecido por organizar o festival Nos Alive. Consiste no aproveitamento das atuais infraestruturas, ativas ou desativadas, como são os casos de Almeida ou das Linhas de Torres. É um turismo mais ou menos emocional, associado a guerras e à atividade militar, que vai permitir a visitação turística desses locais.
Qual o limite para o Centro? Não corremos o risco de ele ficar sobrelotado?
Temos uma enorme capacidade de carga. Abrangemos 100 municípios, enquanto no Algarve são apenas 16. E só temos 55 mil camas, enquanto lá existem 250 mil. Ainda podemos crescer de forma consolidada nos nossos produtos premium, como natureza ou saúde e bem-estar. E ainda podemos crescer em receitas, porque temos um rendimento por quarto abaixo da média nacional.