A estrada faz o viajante e ensina-o a desfrutar do caminho. O lema aplica-se a globetrotters e, porque não, a quem entra na pré-reforma e mantém viva a prática de dar e receber prazer ao longo dos anos que tiver pela frente. Numa Europa que não vai para nova, reconhecer que “todos o fazem” e que isso tem ganhos, em saúde e felicidade, é uma missão difícil, mas alguém tem de fazê-lo. O Projeto Europeu sobre Sexualidade e Autoimagem no Envelhecimento, financiado pelo Research Council da Noruega em nove milhões de euros, teve esse mérito. Noruega, Dinamarca, Bélgica e Portugal foram os países contemplados na amostra probabilística que envolveu 3 814 adultos com idades entre os 60 e os 75 anos. As respostas aos inquéritos surpreenderam a equipa de investigadores, com 40% a 60% dos participantes a assumirem-se sexualmente satisfeitos e ativos – como 83% dos homens portugueses e 91% dos noruegueses; já nas mulheres, as percentagens oscilaram entre 61%, na Bélgica, e 78%, na Dinamarca; em Portugal, 72% das mulheres dizem ser sexualmente ativas.
Os resultados do estudo coordenado pela investigadora norueguesa Bente Træen, do Departamento de Psicologia da Universidade de Oslo, permitiram concluir que “a idade não é um fator preditor da satisfação sexual”. Mas ter parceiro sim: algo que todos os participantes confirmam, exceto os homens portugueses, que lideram na frequência de sexo coital, embora ocupem o último lugar na prática da masturbação. Esta é mais comum nos países do Norte da Europa, e a Noruega está na linha da frente. Os responsáveis da pesquisa atribuem estes resultados a aspetos culturais: no Sul da Europa, por exemplo, o “certo” é o sexo coital, que remete a masturbação para um lugar secundário na sexualidade dos latinos, uma forma de compensar a falta de companhia para praticar.
Os subgrupos que apresentam os níveis mais baixos de atividade sexual são as mulheres em geral, os indivíduos sem parceiro, quem tem mais de 70 anos e mulheres com baixo nível de escolaridade. O Projeto Europeu mostrou ainda que a satisfação sexual é afetada pelo nível de escolaridade (quanto menor, pior) e fica dificultada devido ao preconceito social e a atitudes negativas face ao sexo em idade avançada, sobretudo no Sul da Europa. Os vários artigos científicos publicados a partir destes dados sugerem que estamos perante o fim de um mito, com implicações sociais, clínicas e políticas.
Grisalhos sexy
As estimativas anuais do Instituto Nacional de Estatística mostram que mais de 18% dos cidadãos portugueses têm idades entre os 60 e os 75 anos. Ou seja, praticamente um quinto da população residente pertence ao grupo dos grisalhos. Se tivermos em conta os dados do estudo, uma parte significativa dos seniores portugueses considera-se satisfeita com a sua vida sexual.
Ana Alexandra Carvalheira, investigadora do Centro de Investigação William James do ISPA – Instituto Universitário, fez parte da equipa do projeto europeu e liderou o estudo Sexual Activity and Sexual Satisfaction among Older Adults in Four European Countries em Portugal e as conclusões levam-na a afirmar que “o envelhecimento é uma etapa de desenvolvimento tão importante como qualquer outra, onde se pode aprender e evoluir”, como já havia escrito, de resto, em duas das crónicas que publica regularmente no site da VISÃO, inteiramente dedicadas à sexualidade sénior.
Um dado intrigante deste trabalho diz respeito à baixa taxa de participação em Portugal: apenas 26% dos portugueses contactados preencheram anonimamente os questionários enviados por correio (as taxas de participação dos outros países variaram entre 52 e 68 por cento). A investigadora atribui este facto à natureza do tema, ao protocolo da pesquisa – “os nossos seniores não estão habituados a inquéritos com esta extensão, de 12 páginas” – e a níveis de escolaridade mais baixos (por exemplo, 53,1% dos noruegueses tinham formação universitária, face a 17% dos portugueses, e a situação inverte-se quanto ao Ensino Básico, no qual estão em maioria com 38,8%). Esta variável contribui para os níveis de satisfação, sobretudo no feminino, com as portuguesas mais escolarizadas a indicarem um grau de satisfação 4,3 vezes superior às menos escolarizadas.
Além disso, “na sociedade portuguesa existem quase cinco vezes mais viúvas do que viúvos, uma assimetria demográfica brutal, desigual e penalizante para as mulheres com mais de 65 anos, sem parceiro e sem saber como arranjá-lo”. Paralelamente, as mulheres portuguesas apresentam-se menos ativas do que as congéneres nórdicas no que respeita à prática da masturbação. Nestas circunstâncias, não admira que 40,9% delas se mostrem “nem insatisfeitas nem satisfeitas” (item com mais respostas das portuguesas), contrastando com os 49,5% dos portugueses que se dizem satisfeitos e, até, “completamente satisfeitos” (à frente dos homens dos outros países).
No trabalho científico, os “sentimentos de subordinação” por parte das mulheres portuguesas e o “sentimento de controlo e superioridade nos homens portugueses mais velhos” foram as possíveis razões apontadas para explicar os valores invejáveis de atividade sexual coital referida por estes últimos (28,6% disseram ter tido sexo uma vez por semana e 19,2% afirmaram fazê-lo duas a três vezes) e espelham diferenças culturais que demarcam os cidadãos nórdicos dos do Centro e do Sul da Europa.
E o que é que vamos fazer?
Embora existam razões para sorrir com a notícia de que os piores receios sobre o fim da vida sexual em anos vindouros é destituída de fundamentos científicos, algo não corre bem e não é só no reino da Dinamarca, ou mesmo na Noruega, a braços com a chamada falta de interesse sexual no feminino. O que ensombra o nosso quintal são os problemas sexuais referidos pelos homens, com as dificuldades em obter ou manter uma ereção no topo da lista, e quase metade dos portugueses a reportarem um nível de stresse bem mais elevado do que os congéneres nórdicos. No caso das portuguesas, mais de metade diz ter dificuldades com o orgasmo e com a secura vaginal, “algo que se resolve comprando um lubrificante, na farmácia ou no supermercado”, nota Ana Alexandra Carvalheira, sem disfarçar alguma perplexidade.
A realidade evidenciada na amostra europeia sugere que boa parte dos problemas no nosso país poderia ser resolvida ou minimizada se não fossem as limitações associadas à mentalidade, como confirmam o resultados do estudo Prevalence of Sexual Problems and Associated Distress in Aging Men Across 4 European Countries, publicado este ano no Journal of Sexual Medicine.
“Ao contrário do que se passa na Dinamarca ou na Noruega, a sexualidade não reprodutiva dos mais velhos em Portugal é desqualificada e marginalizada”, esclarece a investigadora do ISPA – Instituto Universitário, recordando o ar surpreendido dos colegas dos restantes cinco países da equipa por desconhecerem a razão do humor deprimido em idades mais avançadas no soalheiro Portugal. Foi preciso dizer-lhes que a reforma, ou melhor, a saída do mercado de trabalho, representa para muitos uma machadada na qualidade de vida, incluindo a sexual: “Aqui, o trabalho toma conta das nossas vidas e a identidade confunde-se com a profissão; deixar de ser o senhor professor, a doutora ou o engenheiro tem um impacto negativo.” Assim se compreende o esmorecimento sexual dos reformados, que expressam menos 70% e 60% (homens e mulheres, respetivamente) de satisfação sexual face aos que trabalham. Outro inimigo da promoção do bem-estar e da resolução de problemas é o estigma, o embaraço ou a culpa em falar “destas coisas” à luz do dia com pessoas próximas e profissionais credenciados, como acontece no Norte da Europa e nos Estados Unidos da América.
“Isto já não é para a minha idade” é uma expressão que sai muitas vezes da boca de quem é mais velho e foi a mesma que uma senhora com mais de 70 anos usou após entrar no consultório de Ana Alexandra Carvalheira e, sem estar à espera, deparar com uma doutora mais jovem. A sexóloga respondeu: “A idade é uma variável vazia, como o estado civil, por exemplo.” Bastou quebrar o gelo e abrir espaço para descobrir uma riqueza sem precedentes e despida de preconceitos: “Tenho 74 anos, sou casada há 50, separada de cama há 16; tenho uma nova paixão, danço com ele todas as semanas, o sexo é maravilhoso e só quero saber porque não consigo ter um orgasmo.” A mulher recuperou o desejo sexual com o novo parceiro, mas não conseguia atingir o clímax “por ter vivido ao lado de um agressor”.
Os homens, prossegue a clínica e investigadora, também não são imunes às atitudes negativas face à sexualidade no envelhecimento, uma vez que “crescem a pensar que têm de ter um desempenho sem falhas”. Esta crença cai por terra, quando surgem alterações na sequência de doenças crónicas e dos efeitos secundários da medicação e com as quais é preciso lidar. Neste ponto, as implicações do estudo são óbvias: os profissionais de saúde devem oferecer um espaço para abordar estes assuntos e indagarem, nas consultas, nos lares e centros de dia, sobre a satisfação sexual e possíveis dificuldades, a fim de evitar situações negativas. “Lembro-me sempre da história de um senhor de 70 anos que parou de tomar o anti-hipertensor para ter melhores ereções e teve um ataque cardíaco, após o que o médico lhe perguntou porque não tinha falado com ele sobre isso”, conta Ana Alexandra Carvalheira. “O doente respondeu ‘porque o senhor não perguntou, o senhor é que é o médico’”.
Quebrar tabus
Viver livremente a sexualidade até ao fim da vida é uma meta legítima com ganhos para a saúde e não espanta, por si só, que se procure o sexo e o amor na sociedade digital. No artigo científico European older adults – use of the internet and social networks for love and sex, divulgado no ano passado no Journal of Psychosocial Research on Cyberspace, com base na mesma amostra, mostrou que 68% dos seniores portugueses usam a internet semanalmente e que as portuguesas superaram as nórdicas no uso das redes sociais para encontrarem parceiros sexuais, talvez devido à “perda de rede de suporte após a reforma, em Portugal”, sugeriram os investigadores. Os homens portugueses parecem consumir menos pornografia do que os outros, eventualmente, indicam os autores, pelas atitudes negativas associadas.
A desejada aceitação da liberdade dos costumes e do fim dos preconceitos é lenta a chegar, e não apenas no nosso país, mas vai-se fazendo. Há dois anos, o preconceito e a discriminação de género deram que falar além-fronteiras, quando uma paciente portuguesa de 50 anos, vítima de negligência médica numa cirurgia ginecológica, viu o Supremo Tribunal Administrativo reduzir o valor a pagar pela Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa (para 111 mil euros), alegando que o sexo não tinha a mesma importância após os 50 anos e em mulheres com filhos. O Tribunal Europeu deu razão à queixosa, indemnizada em 173 mil euros por ficar incontinente para a vida e com dificuldades sexuais. Quanto ao Estado português, foi condenado a pagar uma multa superior a cinco mil euros, parte deles por danos morais.
Num outro registo, com contornos insólitos, o holandês Emile Ratelband, de 69 anos, ficou famoso no espaço virtual graças a uma reivindicação que considerava justa e urgente: ficar 20 anos mais novo no seu documento de identificação por entender que a idade o prejudicava nos sites de encontros. Perdeu o caso na Justiça, mas ilustra bem como até na Europa do Norte a passagem do anos se converte num entrave social.
Conclusão: há que reconhecer os avanços, científicos e legais, rumo a uma melhor qualidade sexual e de vida. Se a verdade do “ainda loucos, após todos estes anos”, da dupla Simon & Garfunkel, se aplica com menos tabus, a meta é continuar o caminho e confiar nas surpresas da estrada que se tem pela frente.
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