– Para o mês que vem vou passar o fim de semana fora.
– Boa, para onde?
– Não faço ideia. Nem sei a data! Mas já paguei e tudo.
Este minidiálogo tem laivos de irrealidade, mas, desde que a FlyKube se instalou em Portugal, em abril, tornou-se possível. A empresa, nascida em Barcelona, em 2017, opera apenas online e proporciona viagens-surpresa aos seus clientes. “Trata-se de uma tendência muito millennial, esta de quebrar com a forma tradicional de viajar e de juntar mais alguma adrenalina ao ato de sair do País”, justifica Sergi Vila, cofundador desta startup que opera também em França e Itália.
Há pacotes desde 129 euros. No Surpresa Total apenas se escolhe o mês em que se deseja sair da rotina – tudo o resto é uma incógnita até quatro dias antes de ir para o aeroporto. Paga-se a quantia, desconhecendo-se o destino, o hotel em que se vai ficar e a data de partida. Mas a FlyKube dá a garantia de ser uma capital europeia ou do Norte de África, a que se chega de avião, e de a estada ser num alojamento central, de três estrelas. No email em que revelam para onde fazer as malas, enviam um guia informativo do destino a visitar, sempre ao fim de semana. No menu das opções de cidades, pode excluir pelo menos três delas sem pagar mais (acima dessa quantidade, pedem-se cinco euros por cada sítio que se elimina).
No Destino Surpresa, por 179 euros, o cliente já tem a possibilidade de escolher a data da viagem, e no valor está incluído o pequeno-almoço – talvez por isso esta seja a versão mais procurada. O restante processo é igual. Se a opção for VIP Kube, a parada sobe no preço e nas condições: garantem-se três a cinco noites num cinco estrelas e uma experiência exclusiva, do género “jantar privado nos canais de Veneza”. Sim, porque as cidades são “as mais glamorosas e na moda”, assegura Sergi. No ano passado, a empresa faturou um milhão e meio de euros. Em 2019, e na lógica da expansão, conta subir a fasquia até aos quatro milhões de euros. O pacote mais recente chama-se Multidestino e funciona como uma espécie de interrail de avião, sem planos. Durante 15 dias, conhecem-se sete poisos diferentes, sempre na lógica da incógnita.
– No sábado, vou a uma festa espetacular.
– Boa, onde?
– Não faço ideia. Mas já paguei!
Todos os anos, a produtora Fuse brinda os seus clientes habituais com uma festa-surpresa. E a próxima é já no sábado, dia 8 de junho, junto a uma piscina, sabe-se lá onde. Ou melhor: sabe-se que fica na zona de Lisboa e que a animação está garantida durante 12 horas. As cerca de mil pessoas que lá estarão já pagaram para comerem um churrasco e ouvirem música eletrónica, o género que marca todos os festejos da Fuse.
Luís Baptista, o fundador, explica que normalmente as festas decorrem em casas privadas, que só estão abertas para outro tipo de celebrações mais tradicionais, como casamentos ou batizados. “O mistério é a chave de tudo. Ao longo dos dias, vamos revelando, nas redes sociais, o alinhamento dos convidados internacionais e nacionais e algumas fotografias do local. Quando faltarem 24 horas, mandamos um SMS ou um email com a localização.” Três semanas antes, lançaram-se os bilhetes early birds, a 12 euros. Neste caso, acabaram em duas horas e meia, com pouquíssima informação sobre a festa. Sete dias depois, o preço subiu para 15 euros e, neste momento, só existem entradas por vinte. “Fazemos isto há três anos e esgotamos sempre a lotação”, diz, revelando que vai lá estar um nadador-salvador do Instituto de Socorros a Náufragos, pois a piscina tem quatro metros de profundidade. Todos as iniciativas da Fuse são sustentáveis, os clientes já o sabem, e a decoração original nessa linha também funciona como um bom isco para quem não gosta de saber ao que vai.
Paulo Silva anda nisto das localizações secretas há mais de oito anos, quando, na altura, organizava as muito underground sessões de Rebel Bingo, um pouco pela Península Ibérica. Para ajudar a recrutar jogadores para estas festas, contava-se a história de que se tratava de uma sociedade secreta em que se faziam coisas ilegais. Daí que os sítios só fossem revelados a quem comprava o bilhete e mesmo em cima da hora. “Adicionávamos mais sumo à experiência e criávamos um certo buzz à volta daquilo”, explica Paulo Silva.
As Revenge of the 90’s nasceram mais certinhas, quando enterraram as loucas festas de bingo em que acabava tudo riscado – numa praia da Costa da Caparica ou debaixo das bancadas do estádio de Leiria. Mas o conceito do secretismo manteve-se e, no início, sabia-se muito pouco na hora de garantir a entrada no universo dos anos 1990. Hoje, os concertos Revenge arregimentam até 12 mil pessoas, que pagam entre 35 e 40 euros sem saberem para onde se dirigir em busca de animação. Os artistas vão sendo revelados ao longo do período promocional, mas, ainda assim, guarda-se sempre alguma surpresa para o dia. E não há data que fique com bilhetes por vender. Durante o verão, vão andar em palcos de festivais, mas depois a tour nacional de festas regressará.
– No dia 26 de junho, tenho um jantar especial.
– Boa, onde?
– Não faço ideia. Nem sei a ementa nem quem a cozinha. Mas já paguei!
Quem não gosta de, pelo menos uma vez na vida, se sentar à mesa e não fazer ideia do que vai comer? É neste apetite que aposta a Fever, empresa que se expandiu para Portugal há menos de um ano. Diana Branco, gestora de eventos originais, organizou o primeiro jantar secreto em março e, diz, “esgotou em poucos dias”. Mesmo depois de se pagar 25 euros, só se sabia quantos pratos iriam ser servidos e que cocktails, criados em parceria com uma marca de uísque, fariam paring com a comida.
A certa altura, anunciou-se que o chefe Chakal estaria ao fogão, mas só 24 horas antes é que os detentores do bilhete souberam para onde teriam de se dirigir, em Lisboa. No caso, foi para um palacete no Chiado, normalmente fechado ao público, que estava decorado com alusões ao tema do secretismo e da exclusividade. Só se venderam 70 entradas e tudo se passou online, na aplicação Fever, sem papéis à mistura. “As pessoas gostam de ser surpreendidas, e o feedback tem sido superpositivo. Queremos, por isso, continuar a apostar neste tema”, conta Diana. Essa aposta vai passar por um secret jazz club, como o que existe em Londres, e numa festa-surpresa.
Lisboa já viu outros jantares secretos. Em tempos, existiram os Silver Spoon, que traziam um nome conceituado à capital (e também ao Porto) para elaborar um menu exclusivo a ser servido em sítios inusitados. Mais recentemente houve algumas sessões dos Offline Dinners, jantares sem tecnologias, em lugares anunciados em cima da hora. Foram pioneiros, antes de a tendência pegar de estaca, como acontece atualmente. loliveira@visao.pt