Patrícia Costa Reis é pediatra no Hospital de Santa Maria e investigadora no Instituto de Medicina Molecular. Dedica-se ao estudo do lúpus, uma doença auto-imune complexa. Fez o doutoramente nos Estados Unidos e agora pretende continuar o seu trabalho de investigação nesta área. Com testes feitos em ratinhos e também através de ensaios com pacientes e voluntários pretende testar um novo paradigma relativo a esta patologia. Nomeadamente verificar se nos doentes com lúpus há uma maior permeabilidade do intestino, o que poderá levar a que haja passagem de bactérias para a corrente sanguínea. Esta “migração” poderia justificar a ativação crónica do sistema de defesa, que se verifica nos doentes com patologia auto-imune. Se a hipótese for confirmada, surgem novas estratégias de tratamento, que passam pelo uso de antibióticos e vacinas. Enérgica e com um entusiasmo contagiante, é mãe de duas crianças pequenas e foi uma das quatro vencedoras da 15ª edição das Medalhas de Honra L’Oreal para as Mulheres na Ciência
Como se deu a sua entrada no mundo da Ciência?
Fiz parte do Programa de Formação Médica Avançada da Gulbenkian – só houve quatro edições e tive a sorte de fazer parte de uma delas. Este programa, que recrutava dez médicos a cada edição, existiu graças a duas pessoas, o António Coutinho e a Leonor Parreira. Grandes pensadores em Ciência, que perceberam a importância de haver médicos a fazer invesigação em Portugal. Algo que se valoriza muito nos países anglo-saxónicos. Cá estamos assoberdados com trabalho clínico e é muito difícil fazer Ciência.
Fez investigação nos Estados Unidos e regressou a Portugal. É muito diferente a realidade de um e de outro país, nesta área?
É muito diferente ser médico e investigador nos Estados Unidos e em Portugal. Lá os médicos têm tempo protegido para fazer ciência. Quem tem carreira de médico/investigador normalmente desempenha uma vez por semana a sua atividade clínica de consulta e uma vez por ano de internamento. O resto do tempo gasta a por os projetos de investigação em marcha. É completamente diferente da nossa realidade, em que o médico tem uma carga assistencial imensa no hospital, com muitas horas extraordinárias. A investigação é feita no meu tempo livre. Nas férias, de madrugada, ao fim-de-semana… É muito difícil para um médico/investigador português competir com qualquer outra pessoa no mundo anglo-saxónico. Nós em Portugal fazemos Ciência nas horas vagas.
E em termos médicos, qual a diferença?
Nos EUA, todas as atividades em termos de saúde são mediadas pela existência ou não de um seguro de saúde. Em cada consulta o seguro de saúde é um fator importante, que afeta as decisões, como os exames médicos que se podem pedir. Uma percentagem considerável do tempo de um médico, na América, é passado a pedir autorizações, a escrever cartas e a justificar tratamentos, apesar de nas unidades maiores existirem enfermeiros que ajudam. A pediatria era um mundo um bocadinho à parte, mais fácil, porque havia seguros para as famílias que não os tinham. Por isso vejo com muita tristeza a forma como têm evoluído os aspetos relacionados com a Saúde. Por contraste, um Serviço Nacional de Saúde, que permite o acesso a bons cuidados de saúde, independentemente da capacidade económica dos pais, é algo que tem muito valor.
Poderia ter ficado a trabalhar nos Estados Unidos?
Ofereceram-me a possibilidade de ficar três anos no Children’s Hospital de Filadélfia e depois quatro no NIH (Instituto Nacional de Saúde). Mas eu queria que os meus filhos crescessem cá. Quando decidi voltar, sabia as consequências e estou perfeitamente apaziguada com isso. Mas é claro que era importante que houvesse em Portugal a carreira de médico/investigador. E porquê? Faz sentido que um médico faça investigação. É uma mais valia para a Ciência.