Quando perdeu o filho de 34 anos, num acidente de viação, a senhora Zhang Heng perdeu também desejo de viver. O desgosto e a perspetiva de sobreviver sem a ajuda financeira do filho, prática comum na China, levaram esta mulher de 67 anos e o marido a avançarem para um plano C (falhado o B, da adoção): em Junho, o casal viajou até Taiwan e investiu 200 mil ienes – aproximadamente 25,300 mil euros – num tratamento de fertilização in vitro. Zhang, que espera gémeos, foi diagnosticada com hipertensão gestacional num hospital de Pequim e aconselhada a interromper a gravidez, pelos sérios riscos de saúde envolvidos.
O seu caso foi notificado às autoridades de saúde, noticiou o jornal The Beijing News na passada quarta-feira, dando ainda conta do estado de perplexidade da mulher: “Porque me tratam como criminosa? Eu não estou a infringir a lei, até porque não há nenhuma lei na China que proíba as pessoas idosas de terem filhos.”
Após ter sido transferida para outro estabelecimento hospitalar, a resposta foi a mesma e o casal vê-se agora confrontado com uma comunidade médica relutante em fazer o acompanhamento pré-natal da gravidez e do parto, pelos riscos elevados de complicações para a saúde. Com 11 semanas e meia de gravidez (o exame hospitalar com ultra-sons, datado de 23 de julho, indicava uma gravidez de gémeos às nove semanas), Zhang é a gestante mais idosa da China.
Em declarações ao South China Morning Post, a senhora Zhang afirmou não perceber porque estavam a bloquear a solução encontrada pelo casal, de quem “ninguém quis saber quando ficaram sem o filho”, tendo acrescentado: “Não sou rica, estou preparada para ter uma criança a meu cargo e acredito que posso viver até aos 85 anos e ver essa criança crescer e tornar-se adulta.” Não sendo o caso, “o meu sobrinho, que tem 40 anos, pode ajudar a criá-la, porque ter um filho é tudo para mim”, rematou.
Entre a lei e a legitimidade
Segundo o Daily Mail, este caso representa a ponta do iceberg de uma realidade complexa. Após vigorar e influenciar o destino dos cidadãos chineses durante 38 anos, os casais podem, desde 2016, ter direito a serem pais duas vezes. Neste cenário, como fica a situação de todos aqueles que perderam o seu único descendente?
Segundo um relatório divulgado há quatro anos pela Academia Chinesa de Ciências Sociais, estima-se que, em cada ano, pelo menos 76 mil casais fiquem sem o filho. A experiência, além de traumática, tende a ser vivida no mais completo isolamento, como uma mãe enlutada referenciada pelo site Zaobao.com, ficava horas a “falar” com o filho falecido na plataforma de mensagens QQ, fazendo uso da sua conta e da dele, encontrando nessas “conversas” algum conforto. Depois disto, chegar à fase final da vida e receber um subsídio estatal mensal de 340 ienes, o equivalente a pouco mais de 43 euros – paga uma refeição para três pessoas num restaurante médio no centro da cidade – é outro pesadelo pelo qual o muitos casais evitam passar para sobreviver, fazendo tudo o que estiver ao seu alcance, literalmente.
Dilemas de sangue
Na China Moderna, quando a quando a lei e a proteção social não bastam, mulheres mais velhas a tentar a sorte e a arriscar a saúde em nome de uma vida, uma velhice, melhor são algo que começa a ser normal. Não consensual, talvez não ético, pode alegar-se até, mas compreensível. Em 2010, Sheng Hailin foi mãe de duas meninas aos 60, na sequência da morte do filho numa fuga de gás. Em março, Fang Zhiying assumiu uma gravidez de risco aos 48. Perdera o filho, bombeiro, numa operação de resgate durante um incêndio. Deu à luz um casal de bebés saudáveis. Importa dizer ainda que é uma sobrevivente de trombose e tem parte do corpo paralisado, afirmando ser uma mãe feliz. Como a senhora Zhang, ou muito próxima dela, só mesmo a “recordista” espanhola Bousada de Lara, que tinha 66 anos e 358 dias quando teve dois rapazes, há 12 anos, considerada a mais velha mãe do mundo. Resta saber se a sorte está do seu lado. E como será a vida dos filhos nascidos com a ajuda da ciência e uma função que não pediram, mas isso é toda uma outra história.