De Miranda do Corvo a Penela, no distrito de Coimbra, são uns dez quilómetros que multiplicados por dezenas de viagens impressionam, mas Nataliya Bekh não tempo para fazer a conta ou sequer pensar nisso. Todos os dias, várias vezes ao dia se necessário, tem andado de vila em vila, sem parança. E de noite perdeu o sono, tantas são as preocupações. “Não é fácil receber famílias numerosas, principalmente como as que vêm para cá, com muitas crianças pequenas”, dirá, num intervalo de reuniões, esta socióloga ucraniana que está há doze anos em Portugal.
Nataliya coordena a equipa multidisciplinar que irá acompanhar os vinte refugiados a que a ADFP (Fundação Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional) de Miranda do Corvo, se propôs receber ao abrigo da quota anual de reinstalação acordada com o ACNUR (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). Uma equipa com direito a tradutora-intérprete árabe e muçulmana, professora de Português, psicóloga, enfermeira e assistente social, de várias nacionalidades: ucraniana, portuguesa e tunisina.
A chegada das quatro famílias, três sírias e uma sudanesa, está prevista para este sábado, 7 – é por isso tempo da equipa se encarregar dos últimos preparativos. Além de mais uma reunião com a Câmara de Penela ou com o agrupamento escolar, é preciso fazer coisas tão corriqueiras como enviar um email à escola com informação sobre as restrições alimentares das crianças ou dar uma limpeza final nos seis apartamentos.
Ajudar as mulheres a sair de casa
Tudo começou em janeiro de 2014, há quase dois anos, e, no entanto, parece que foi ontem que a socióloga ucraniana se atirou de cabeça no projeto. “É um projeto pioneiro porque é a primeira vez que vamos ter refugiados fora das grandes cidades, até num contexto rural”, lembra. “E estamos a ensaiar um modelo novo.”
A tradutora tunisina, por exemplo, vai morar num apartamento no mesmo prédio das famílias, que serão independentes e autónomas mas nunca estarão isoladas. As aulas de língua portuguesa serão intensivas – cinco horas por dia, no mínimo – e tudo será feito no sentido de permitir que as mulheres, todas mães, tenham tempo para frequentá-las.
“Os homens são habitualmente os primeiros, e muitas vezes os únicos, a aprender Português porque as mulheres ficam em casa a tomar conta das crianças”, nota Nataliya. “Nós vamos tentar que as mães deixem as crianças pelo menos umas horas na creche da Santa Casa; vai ser essa a nossa recomendação para libertá-las um bocadinho e terem igualdade de oportunidades.”
São muitas as crianças a chegar a Penela, e pequenas – sete das treze têm menos de 4 anos. As restantes seis, entre os 9 e os 13 anos, irão para a escola se possível logo na segunda semana, para apanharem rapidamente o comboio que partiu há quase dois meses. A ajudá-las terão uma professora do Ensino Especial. E todas, com os respetivos pais e mães, estão já convidadas para o magusto de sexta-feira, 13.
Padres apelam à tolerância
“Toda a comunidade, não é só a escolar, está sensibilizada para a sua vinda”, conta Nataliya. A zona tem tradição em receber migrantes. “Na escola de Miranda do Corvo, por exemplo, temos 58 crianças filhas de emigrantes de segunda e terceira geração.” Não se estranha por isso que a sede da ADFP, onde há lar de idosos, ATL e lares de rapazes e de raparigas, esteja cheia de cartazes de boas-vindas aos refugiados. No meio de desenhos de grandes corações e casinhas com famílias ao lado lê-se: “Estamos de braços abertos para vos receber” ou “Tudo vai passar”, em Português e em Árabe. E já são muitos os presentes que os avós-emprestados juntaram para dar aos meninos refugiados.
Escreva-se que houve um esforço grande por parte da Câmara de Penela para promover a integração destes refugiados – preparando o caminho para a vinda de mais duas centenas, num futuro próximo. Foi distribuído um folheto em que se dizia o que vai acontecer, explicando nomeadamente que o projeto é financiado por fundos comunitários. Os padres foram convidados a falar do amor ao próximo e da tolerância religiosa nas suas homilias. E a autarquia atribuiu a famílias portuguesas, com crianças, mais seis apartamentos no condomínio onde vão ficar os refugiados (que pertence ao Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana mas têm gestão camarária).
“Queremos evitar a criação de um gueto”, diz Nataliya, feliz com a mudança das instalações da sua equipa para um apartamento contíguo aos dos novos habitantes de Penela. A proximidade é importante. Mesmo com os perfis das famílias na mão, vai ser preciso conhecer cada membro um a um e perceber quais são as suas necessidades mais urgentes. “Sabemos que as pessoas vêm com stresse pós-traumático, têm uma grande vulnerabilidade [é uma das condições para o ACNUR as recolocar num país ocidental]”, nota a socióloga. “E que sofreram muito com o atraso na chegada a Portugal.”
Mais 25 no Cacém e em Lisboa
A chegada destes vinte refugiados e de mais vinte e cinco – que irão para o Cacém, pela mão do CPR (Conselho Português dos Refugiados), e para Lisboa, a cargo do JRS (Serviço Jesuíta aos Refugiados) – esteve prevista para setembro. Nessa altura, as famílias venderam os poucos bens que possuíam no Egipto, para onde haviam fugido há cerca de dois anos, e prepararam-se para a mudança, mas um atraso na emissão de vistos de saída por parte das autoridades egípcias travou-lhes a vinda.
No Cacém, esperam-se duas famílias, uma da Eritreia (mãe e cinco filhos) e a outra do Sudão (casal com dois filhos). Para a capital, mais concretamente para a Alta de Lisboa e as Olaias, vêm três famílias sírias (uma mãe com dois menores e mais duas filhas crescidas que já têm as suas próprias famílias) e uma mãe da Eritreia com três filhos – no total, são sete adultos e oito crianças entre os 16 meses e 14 anos, para quem o JRS desenhou um programa de acolhimento e integração a que chamou de Sementes de Esperança. Adequadamente.