Jorge Silva Melo diz não saber como conseguiu encenar esta peça, nem tem certezas quanto ao que daí resultou. É precisamente essa carga de estar na corda bamba que confere densidade e sentido ao aparente não sentido desta peça escrita pelo irlandês Enda Walsh. Ballyturk, a nova produção dos Artistas Unidos, é uma sucessão de pequenos núcleos narrativos que parecem ser aleatórios, contraditórios e desconexos, mas que acabam por traçar um longo arco, cujo caminho, inevitável, é o da morte. Dois homens sem nome acordam todos os dias num grande quarto, que pode ser um armazém, e conferem muita fisicalidade a todas as questões existenciais e da ordem do absurdo de que vão falando.
“Eles estão à espera de alguma coisa parecida com o Godot [da peça de Samuel Beckett, À Espera de Godot] e aparece o [ator] António Simão a dizer umas coisas muito interessantes sobre moscas…”, conta o encenador, Jorge Silva Melo. A terceira personagem, interpretada por António Simão, diz, enquanto detém uma mosca na mão fechada: “Pergunto-me se sabem quão breve será a vida delas, se é algo em que pensam enquanto crescem dentro daquele casulo castanho.” “As moscas são milhares e não conseguimos distingui-las. Quem são estes rapazes? São como as moscas, sucedem-se, são milhares, milhões…”, complementa Silva Melo.
“Aqui, os grandes objetos de terror das personagens são o despertador e o relógio de cuco. Por mais que a gente os queira matar, estão sempre a marcar a passagem do tempo. Até o micro-ondas, sempre a marcar segundos e a fazer plim.” Independentemente das histórias sobre coelhinhos de cinco patas de que falam as personagens, “percebemos a brevidade da vida, acho que é esse o segredo da peça”, diz o encenador. “Tudo o que imaginaste é…”, ouve-se a certa altura em palco. “Tudo vida. Está lá. Tudo.”
Ballyturk > Teatro da Politécnica > R. da Escola Politécnica, 54, Lisboa > T. 21 391 6750 > 27 mar-4 mai > ter e qua 19h, qui e sex 21h, sáb 16h e 21h > €6-€10