Há qualquer coisa de fascinante no universo de Camilo Castelo Branco, que leva cineastas de diferentes regiões e sensibilidades a procurá-lo. No mínimo, o escritor português soube, como ninguém, explorar a intriga romanesca e exacerbar o sentido trágico. A chilena Valeria Sarmiento, editora de imagem e ex-companheira de Raúl Ruiz, já havia trabalhado em Mistérios de Lisboa (Ruiz, 2010), além de ter prosseguido e assinado a realização de Linhas de Wellington (o projeto que Ruiz tinha em mãos quando faleceu). Agora, entra a fundo e de raiz no universo camiliano, com este Caderno Negro, uma adaptação livre de Livro Negro de Padre Dinis (1855), que funciona como primeira parte dos Mistérios de Lisboa. O tratamento do tema aproxima-se, naturalmente, ao estilo de Ruiz. Há um gosto genuíno pela trama em si, não procurando encontrar ressonâncias na atualidade ou sentidos metafóricos, e simultaneamente uma sobriedade na câmara, que consegue embrenhar-nos no contexto da época.
Contudo, o primeiro e mais excelente mérito vai para Carlos Saboga. O experiente argumentista, que já havia adaptado Camilo – em Um Amor de Perdição, de Mário Barroso, e em Mistérios de Lisboa, de Ruiz –, faz um trabalho notável, reescrevendo e reordenando os episódios, tirando proveito de todo o sentido dramático do texto, mas tornando-o eficaz em termos cinematográficos, adensando, assim, a questão do mistério.
Em relação a Mistérios de Lisboa, este filme amplia o universo de forma mais universal. Camilo extravasa longamente as portas de Lisboa, colocando a sua intriga no eixo Roma-Paris, passando também por Londres, servindo-se de episódios históricos, como a própria Revolução Francesa, para aumentar a intensidade da intriga.
Falado sobretudo em francês, e com a produção de Paulo Branco, O Caderno Negro é servido de um bom elenco, do qual fazem parte os portugueses Joana Ribeiro, Catarina Wallenstein, David Caracol, Joaquim Leitão e Elmano Sancho.
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O Caderno Negro > De Valeria Sarmiento, com Lou de Laâge, Stanislas Merhar, Niels Schneider, Joana Ribeiro > 113 minutos