Por uma noite, a entrada principal do Pavilhão do Conhecimento Ciência Viva transformou-se numa espécie de sala de casamentos. Noventa convidados distribuiram-se por mesas redondas, para viver uma experiência com muito de ciência e uns pozinhos de gastronomia. Durante a desgutação de um menu de 21 pratos, preparado pelos chefes de cozinha Sofia Morais Pinto e Frederico Guerreiro, três cientistas – Maria Eugenia Chiappe (Fundação Champalimaud, European Research Council), Carlos Ribeiro (Fundação Champalimaud) e Rui Oliveira (Instituto Gulbenkian de Ciência, Instituto Superior de Psicologia Aplicada) –, analisaram a forma como o nosso cérebro reage a diferentes estímulos e os integra como uma aprendizagem.
Quando nos sentamos à mesa para comer, o paladar é primeiro sentido que esperamos pôr à prova. Mas esta é apenas uma parte da história. Com um prato à frente, pomos à prova a visão (“os olhos também comem”, já diz o ditado); o olfato – basta lembrar como fica desenxabida a comida quando se nos entope o nariz; o tacto – quem é que nunca precisou de tocar num alimento desconhecido antes de se atrever a levá-lo à boca?
Na primeira parte do jantar, testamos a forma como a audição também pode influenciar a forma como se saboereia a comida. Música rock pode levar-nos a comer mais depressa, música clássica emociona-nos e pode sobrepor-se ao prazer da boca. Oportunidade para recordar uma estratégia adotada em centros comerciais dos Estados Unidos, em que os donos dos restaurantes podem pagar para que a música dos altifalantes do centro seja italiana, mexicana ou country, para influenciar, a seu favor, a escolha dos clientes, contou Rui Oliveira.
Carlos Ribeiro lembrou logo que as escolhas alimentares podem ser condicionadas também pelos micróbios que habitam o nosso intestino e que “falam com o cérebro”, influenciando a forma de comer. Durante a gravidez, explicou o cientista da Fundação Champalimaud, as hormonas condicionam o apetite da grávida. “Como estão a ser produzidas milhares de células, aumenta a necessidade de sal (elemento essencial ao funcionamento de cada célula). A hormona prolactina provoca alteração no paladar e leva as mulheres grávidas a preferir comidas mais salgadas,” contou. É também por esta razão que manadas de elefantes fémeas percorrem dezenas de quilómetros à procura de minas de sal.
A dada altura, Inês Oliveira, bióloga e organizadora do jantar, dá indicações aos convidados para vendarem os olhos. Às cegas, provamos uma folha que sabe a mar, uma espécie de gelatina com gosto a ovo e um quadrado de fruta que ninguém consegue identificar. Já de olhos destapados, percebemos que nos tinham posto à frente folha de ostra, ovo cem anos (uma iguaria chinesa que consiste num ovo que passou semanas enterrado numa cama de argila) e jaca, um fruto tropical com sabor enjoativo. “No cérebro construímos uma representação do mundo à nossa volta e mesmo de olhos fechados sabemos o que é uma colher, um prato e orientar-nos. No fundo, conseguimos construir uma imagem a partir dos outros sentidos”, reflete Maria Eugenia Chiappe.
No final do jantar, a barriga estava cheia. Mas o que mais trabalhou foi o cérebro. Estava aberto o apetite para degustar a Semana Internacional do Cérebro, que decorre até 18 de março, nos principais centros de investigação e de divulgação do País.