Um amuse-bouche, dirão alguns indefetíveis do artista plástico, desejosos de uma grande mostra com obras inéditas. Mas esta é uma oportunidade para rever um corpo de trabalho substancial e exemplar na obra de Julião Sarmento, e para testar efeitos e reverberações da imersão nos quatro vídeos/vídeo-instalações. Reel Time, que convoca a ideia do rebobinar, faz isso mesmo: apresenta filmes, vídeos e performances por ele criados ao longo de quatro décadas, compreendidas entre 1976 e 2011.
Épocas diversas, contextos diferenciados, objetivos diferentes − e um mesmo fio condutor que é o do voyeurismo e do corpo como “ferramenta e lugar”, à semelhança do que acontece com os trabalhos de artistas como Marina Abramović ou Bruce Nauman, diz Kathy Noble, curadora que teve a seu cargo a área da performance e media no museu londrino Tate Modern. Esta acrescenta que o “formalismo estilístico” de Sarmento “é subvertido por uma forma de sexualidade altamente encenada, próxima do registo das personagens femininas que encontramos na obra cinematográfica de Pedro Almodóvar.” A ver: Cometa (2009) é a performance para dois bailarinos que dançam ao som de música original de Paulo Furtado, exibindo-se para uma pessoa de cada vez num quarto verde (sextas, às 18h, e sábados, às 16h e às 18h). A instalação-vídeo Doppelgänger (2011) coloca dois planos de duas mulheres em paralelo, explorando a ideia do duplo: uma passeia junto ao mar, a outra ocupa-se num espaço interior, ambas se confrontam com o cliché da relação complicada. Em R.O.C. (40 plus one), vídeo de 2011, reencontramos essa mulher que faz um striptease enquanto lê Wittgenstein, desmontagem do cliché erótico e eco da performance de Andreas Fraser, Official Welcome (2011) em que uma mulher lê um discurso de boas vindas enquanto se despe, remetendo para a problemática feminista e o poder no mundo da arte. Por fim, há ainda a oportunidade de rever Faces (1976): duas mulheres, uma loira e outra morena, sucessivamente esfregam os cabelos e trocam beijos até ao repouso final − obra libertária para os tempos revolucionários. O desejo do desejo, para observar.
Reel Time, de Julião Sarmento > Galeria Cristina Guerra > R. Santo António à Estrela, 33, Lisboa > T. 21 39595 59 > até 24 fev, ter-sex 12h-20h, sáb 15h-20h