“Um fotógrafo que fotografa o céu é sempre um Prometeu à espera de um fogo, de uma luz, de uma sombra para roubar.” A bela descrição, escreve-a José Manuel dos Santos, curador e diretor cultural da Fundação EDP, para o catálogo desta Luz Cega, a exposição que o fotógrafo (e editor e programador cultural) Cláudio Garrudo criou para a ermida velha de três séculos – um espaço de antigo culto em Belém, cuja “eternidade”, recolhimento e religiosidade ainda pressentidos sugerem muitas ligações para estas fotografias de céus luminosos. Revelam-se assim: uma obra única desconstruída em nove imagens ocupa o antigo altar, a que se acrescentam mais sete fotografias dispostas circularmente como a abóboda celeste – de uma destas, uma pequena cianotipia, existirá uma edição especial com 50 exemplares assinados e numerados. É uma obra resultante de uma espécie de peregrinação de Cláudio à vereda do Fanal, em plena floresta laurissilva na ilha da Madeira: “Caminhei sempre até chegar ao ponto mais elevado, de onde só via o mar aos meus pés. Um lugar de parar o tempo”, descreve.
A luz que emana destes céus intensamente azuis transfigura-os em obras abertas: recordam genealogias pictóricas, seja o surrealismo de Magritte ou as manchas de Monet, sentimentos de universalidade, memórias, manifestações divinas. Mas também existem outras leituras possíveis: “Há uma crítica implícita à religião: se seguirmos cegamente o culto, essa também é uma forma de cegueira.” Mas ao artista, que reclama uma espiritualidade sem deus, interessou sobretudo explorar a dimensão da contemplação e lentidão. O que explica a sua escolha da técnica de impressão lenta da cianotipia (descoberta em 1842 pelo astrónomo Sir John Herschel). Há que abrandar, observar, descobrir. Até porque, regressando a José Manuel dos Santos, “o céu é apenas um outro chão para andarmos nele ao contrário”.
Luz Cega > Travessa da Ermida > Tv. do Marta Pinto, 21, Lisboa > T. 21 363 7700 > 7 jan-21 fev, seg-sex 11h-13h/14h-17h, sáb-dom 14h-18h