No passado, assistimos a danças ao som de Mozart, Monteverdi, Wagner ou Bach. Em Nicht Schlafen (“não dormir”, em alemão), será a música de Mahler a servir de inspiração a Alain Platel. Não sendo um dos compositores prediletos do coreógrafo belga, Mahler viveu no início do século XX, mais concretamente entre 1900 e 1914, época ilusória focada no livro The Vertigo Years, de Philipp Blom, de avanços científico-tecnológicos e efervescência cultural, mas também de grande tensão social e política, culminando na eclosão da Primeira Guerra Mundial. A leitura desta obra marcou Platel, pelas similitudes com a atualidade, com o crescimento dos movimentos nacionalistas e da retórica xenófoba.
A incerteza, o medo e a violência trespassam o espetáculo, agora em estreia nacional no Teatro Nacional São João, no Porto.
À paisagem sonora, da responsabilidade do compositor belga Steven Prengels, colaborador habitual de Platel, acrescem cantos polifónicos africanos, sons de animais e de sinos. Pela primeira vez, o fundador da companhia Ballets C de la B conta, ainda, com a colaboração da artista belga Berlinde De Bruyckere, autora da impressionante escultura de cavalos mumificados no centro do palco. Um tecido desfeito, pendurado na retaguarda, compõe o cenário de desolação. Os nove bailarinos (oito homens e uma mulher, de diferentes origens), vestidos com coloridos casacos desportivos (posteriormente arrancados, numa batalha campal), parecem retirados de um campo de refugiados. A tensão é palpável nos seus movimentos frenéticos e crus, símbolos da brutalidade e da fragilidade do ser humano numa sociedade iminentemente individualista. Um tremendo trabalho físico dos bailarinos.
Teatro Nacional São João > Pç. da Batalha, Porto > T. 22 340 1910 > 8-9 mai, seg-ter 21h30 > €7,50 a €16