A vida da família de Jorge Andrade dava um filme. Ao ouvir o relato acelerado do ator e encenador sobre uma catadupa de acontecimentos trágicos, percebe-se a motivação para fazer este espetáculo, que estreia no Porto e depois se apresenta em Lisboa. Moçambique, onde nasceu (ele e mais dois membros da equipa da mala voadora, de que é um dos diretores artísticos), serviu de pano de fundo para a construção de um teatro documental ficcionado. O ponto de partida é este: afinal, o que teria acontecido se Jorge Andrade não tivesse abandonado a ex-colónia portuguesa, aos quatro anos, juntamente com os seus pais?
“Tive apenas uns tios que decidiram ficar em Moçambique, onde tinham uma plantação e uma fábrica de conservas de tomate. Mais tarde, perderam os filhos e, numa visita a Portugal, ouvi-os a pedirem à minha mãe para ficarem comigo”, conta. Isso nunca veio a acontecer, mas a conversa, moldada pelas memórias frágeis de criança, fê-lo imaginar como seria a sua vida à frente da exploração agrícola. O encenador vai mais longe na peça, cruzando o seu destino e o da empresa Andrade & Filhos Investimentos com alguns episódios do período pós-independência de Moçambique. A guerra civil, a relação tensa com África do Sul e os anos de seca são marcos que alimentam esta autobiografia imaginária, servindo-se a produção da mala voadora, inclusive, de algumas imagens documentais desta época para sustentar a ficção.
“Não nos interessa muito a nostalgia do paraíso perdido”, sublinha Jorge Andrade. “O território é um pretexto para falar sobre o que é fazer negócios hoje, para onde é que nos viramos nesta época de ideologias não vincadas”, adianta. E paraísos, constatam, só se forem fiscais…
Moçambique > Teatro Municipal Maria Matos > Av. Frei Miguel Contreiras, 52, Lisboa > T. 21 843 8800 > 23-27 set, sex-sáb, ter 21h30, dom 18h30 > €6 a €12