De um projeto realizado em várias zonas do Teatro Municipal Rivoli, no Porto, composto por quatro curtas residências artísticas durante oito meses descontínuos, nasceu Intermitências, espetáculo de Joclécio Azevedo que se apresenta este sábado, 12, e domingo, 13, no Teatro da Trindade, em Lisboa. O coreógrafo regressa ao Festival Internacional de Dança de Lisboa, após a sua participação no ano passado.
A programação desta primeira edição do Cumplicidades, que se prolongará até dia 19, quis dar visibilidade aos artistas que possuem trabalhos sobre o próprio processo. A performance de Joclécio Azevedo, além de possuir um caminho não linear, aborda as questões de tempo de produção do universo artístico.
“Senti vontade de dedicar mais tempo ao processo de trabalho. Com a reabertura do Teatro Rivoli, quis contribuir como artista com este novo contexto que a cidade do Porto vivenciava e, no ano passado, apresentei o projeto de Intermitências ao diretor do teatro, Tiago Guedes. Não quis apenas criar uma peça, quis refletir sobre a ideia de produção, num projeto que interviesse e dialogasse com os espaços do teatro e que tivesse uma meta para além do produto, para além da estreia”, afirma o bailarino.
Assim, com quatro residências artísticas distintas, o projeto foi criado entre intervalos para proporcionar tempos de reflexão entre as ações e desdobramentos dos vários processos envolvidos. O Intermitências 1 é assinado por Joclécio Azevedo e pelo cenógrafo Jérémy Pajeanc. Este primeiro momento aconteceu através de conversas sobre as relações do ambiente do teatro e o exterior, e resultou numa performance conferência em maio do ano passado.
Já o Intermitências 2 é dedicado à criação da música original, de autoria de Victor Afonso, conhecido como Kubik. “Este processo foi feito em duas partituras distintas. Eu estava no Porto, com dois bailarinos, e o músico vivia na Guarda e enviava-me as composições. Isto culminou num concerto performativo, em setembro, e na banda sonora do trabalho”, explica Joclécio Azevedo.
A terceira etapa do projeto correspponde ao Intermitências 3, que se centra no movimento e nos cinco bailarinos, André Mendes, Bruno Senune, Camila Neves, Joana Castro e Joclécio Azevedo, e com um ensaio aberto ao final, em novembro. Segundo o diretor artístico, a performance foi criada com uma partitura coreográfica que é desdobrável, como um organismo vivo e não um objeto fixo, e que permite o surgimento de novas nuances a cada revisitação.
No último momento, o Intermitências 4 foi a estreia do espetáculo, que aconteceu em fevereiro, no auditório Manoel Oliveira, do Teatro Rivoli. “Intermitências não é um resumo ou uma síntese das quatro residências artísticas, mas outro ponto de partida. De uma residência para outra não continuamos com todos os elementos, apenas com as ideias de fundo. Por isso o título é Intermitências, foi construído entre quatro intervalos e trabalha com uma lógica e um processo de criação diferentes”, sublinha Joclécio Azevedo.
O coreógrafo participou, na última quarta-feira, 9, em O Meu Processo, zona do Cumplicidades dedicada ao encontro entre os artistas e o público. “Sou brasileiro, mas já moro há 27 anos em Portugal. Tenho uma relação acidental com a dança e foi no Porto que escutei falar, pela primeira vez, em dança contemporânea. Acredito que ser imigrante altera o meu olhar sobre o espaço, sobre o tempo, sobre a memória. Estamos sempre a viver com base em projetos, em metas. Com esta performance, quis propor ao Rivoli a construção de uma peça que deixasse espaço para se relacionar com o teatro e com mais tempo para o processo criativo”, assume o artista.
Joclécio Azevedo adianta ainda que uma nova etapa do projeto está a ser preparada para setembro: o lançamento de uma publicação com os registros fotográficos de José Caldeira e os textos escritos pelos participantes. “Temos tudo documentado. Gostávamos de produzir uma espécie de catálogo. Preservar o nosso processo de trabalho e escrever na memória coletiva da dança. A ideia de legado mesmo”, admite o coreógrafo. Como as outras etapas do projeto, o lançamento pretende vir acompanhado de uma performance e, assim, resultar no Intermitências 5.
Intermitências > Teatro da Trindade > Lg. da Trindade, Lisboa > T. 21 342 3200 > 12-13 mar, sáb 21h30, dom 18h > €7,5 a €10
Depois da edição zero no ano passado, o Cumplicidades – Festival Internacional de Dança Contemporânea regressa a Lisboa com espetáculos de Portugal, Egito, Turquia e Marrocos, workshops, exposições, palestras e conferências.