É através da janela da torre de menagem do castelo, sobranceiro à cidade de Castelo Branco, que se fica mais tempo a admirar a paisagem. Em dia de céu limpo, deste ponto alto, a vista alcança as serras de Monforte, a sudeste, da Gardunha e da Estrela, a norte. O passeio continua pela escadaria em pedra, rodeada por árvores frondosas, em direção ao centro histórico, que ainda guarda memórias dos tempos medievais. Por entre ruelas estreitas, vale a pena abrandar o passo para apreciar as casas quinhentistas e outras com vestígios da presença judaica nesta região. Em poucos minutos, chega-se à Praça de Camões, também conhecida como Praça Velha, para se visitar o Centro de Interpretação do Bordado de Castelo Branco, um dos ícones mais representativos da cidade, onde antigamente era comum a cultura do linho e as amoreiras cresciam naturalmente, permitindo a criação do bicho-da-seda em grande escala. Ao longo de várias salas, o percurso revela os diferentes processos, desde a sementeira do linho e tecelagem à evolução do bordado e da sua técnica (pontos), não esquecendo o enquadramento histórico. Já perto da saída do edifício, que também funcionou como cadeia e, mais recentemente, como biblioteca municipal, fica a Oficina do Bordado de Castelo Branco. É nesta sala/atelier que Rosa Gonçalves, 60 anos, uma das seis bordadeiras, trabalha diariamente com afinco. Dedica-se ao ofício há cerca de cinco décadas, depois de ter terminado a antiga quarta classe, conta Rosa, entre pequenas pausas, frente ao painel (com 85 cm de altura por 1,30 de largura) que está a fazer. “Aqui o cliente escolhe o desenho, as cores e o tamanho da peça que quer bordada”, explica, reconhecendo ser um trabalho difícil de aprender. “Faço isto há 50 anos, aprendi que há diversos pontos com que podemos jogar para embelezar o bordado de Castelo Branco.” Já em jeito de despedida, desafia: “Estamos à espera de que venha alguém jovem que queira prosseguir com esta arte.”
A cerca de um minuto de distância, o Museu Cargaleiro, aberto em 2005, guarda a coleção de Manuel Cargaleiro, artista nascido, em 1927, numa pequena aldeia de Vila Velha de Ródão. “É um grande colecionador, estão aqui expostas mais de dez mil peças, mas ainda há obras por inventariar”, diz Cláudia Baltazar, técnica deste museu que se estende atualmente por dois edifícios, dividindo-se em vários núcleos. Entre estes, destacam-se a Cerâmica Ratinha, com forte ligação a esta terra, e a Cerâmica Triana, com peças do século XIX, oriundas de Triana, em Sevilha. Do outro lado da rua, na Praça Manuel Cargaleiro, precisamente, num edifício contemporâneo, é a pintura do Mestre, desde a década de 50 até à atualidade, que dá as boas-vindas aos visitantes. Das últimas doações do artista, evidencia- -se o quadro em que Cargaleiro usou a linguagem poética na composição artística de um excerto do poema de José Tolentino Mendonça: “Animo-me a ver as papoilas que nunca vieram brotar à minha porta.” Já no segundo piso, descobrem-se as suas obras de cerâmica e, no terceiro andar, na mostra Cargaleiro e Amigos, obras de artistas nacionais e estrangeiros, entre eles Pablo Picasso e Cecília de Sousa. Não muito longe daqui, mas ainda sem data de abertura ao público, há de nascer um terceiro núcleo museológico, fica a nota.
Deixando a zona histórica e já em direção à cidade nova, desça-se pela rua que revela de perto a Torre do Relógio, visível de vários pontos da cidade, até ao Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco. O edifício não passa despercebido, quer pela arquitetura, da autoria de Josep Lluis Mateo, em colaboração com Carlos Reis de Figueiredo, quer pela programação cultural, mais direcionada para as exposições e para a música.
Lugar à criatividade
Entretido a limar e a afiar ferro, Vasco Veríssimo, 22 anos, ocupa a sala de serralharia da novíssima Fábrica da Criatividade, inaugurada em julho deste ano, junto à entrada norte de Castelo Branco. Desde pequeno que Vasco, nascido em Vila Velha de Ródão, gostava de afiar as facas de pesca do pai. Mais tarde, começou a seguir especialistas no YouTube e a ver programas de televisão sobre cutelaria. Depois de terminar o curso de Design Gráfico, nas Caldas da Rainha, onde conheceu Paulo Tuna, “provavelmente o homem mais conhecido em Portugal a fazer facas”, decidiu dedicar-se a esta arte. “Ainda não estou 100% orgulhoso do meu trabalho, mas já são boas facas”, admite. Quando atingir a perfeição, Vasco espera poder mostrar e vender a chefes de cozinha os seus exemplares, feitos em metal
e protegidos por uma capa de madeira.
As facas de Vasco Veríssimo são um dos 40 projetos desenvolvidos por mais de 80 pessoas na Fábrica da Criatividade, equipamento que visa apoiar projetos em diferentes áreas artísticas, do teatro, dança, música, cinema, vídeo ao design, design de moda e artes gráficas. Aberto 24 horas por dia, tem oficinas e ateliers (metais, cerâmica, gesso, plástico, serigrafia, gravura, têxtil, fotografia, vídeo e arte digital) e ainda um auditório (de construção de espetáculos), duas black boxes, estúdio de fotografia analógica e sala de conferências.
Entre estátuas e fontes
Separados pela Rua Bartolomeu da Costa (antiga Rua da Corredoura), o Parque da Cidade, outrora horta ajardinada da Quinta do Paço, e o Jardim do Paço Episcopal estão ligados por um passadiço. De um lado, encontra-se agora um parque infantil e uma área de merendas na zona do bosque, no qual se destaca ainda uma fonte revestida a azulejos de Manuel Cargaleiro, com um poema do poeta do século XV, João Roiz de Castelo-Branco. Do outro, abre-se o Jardim do Paço Episcopal, encomendado pelo bispo da Guarda D. João de Mendonça, no início do século XVIII, considerado um dos exemplares mais originais do barroco em Portugal. Num passeio pelos seus labirintos, descobrem-se varandas com guardas de ferro e balaústres de cantaria, cinco lagos com jogos de água e estátuas de granito, em que se destacam os Novíssimos do Homem, as Quatro Virtudes Cardeais, as Três Virtudes Teologais, os Signos do Zodíaco, as Partes do Mundo, as Quatro Estações do Ano, o Fogo e a Caça. Os reis da I, II e III dinastias e a representação dos apóstolos fazem parte das figuras estrategicamente colocadas ao longo do escadório principal.
Um imenso rio
Em Vila Velha de Ródão, a cerca de 30 quilómetros de Castelo Branco, impõe-se a subida, entre curvas e contracurvas, ao topo da montanha onde fica o Castelo do Rei Wamba. Rodeada por oliveiras, a pequena torre, construída na época dos mouros, guarda uma lenda de um amor adúltero entre um rei e uma rainha. O olhar distrai-se com alguns grifos que sobrevoam a paisagem. Da família dos abutres, são uma das maiores aves existentes em Portugal e nidificam nas escarpas, ali bem perto das Portas de Ródão, classificado como Monumento Natural Nacional. Alguns passos separam a torre do pequeno miradouro que desvenda a beleza do rio Tejo, lá em baixo, podendo ser apreciado mais de perto, num passeio de barco.
A presença abundante de ródão (a palavra significa rio caudaloso) terá propiciado a fixação do Homem por estas bandas, há mais de 150 mil anos, considerado um local sagrado no período Neolítico, e que está bem patente na diversidade e na escala de arte rupestre que o Centro de Interpretação da Arte Rupestre do Tejo, em Vila Velha de Ródão, guarda no seu interior. Nos dois pisos desta antiga prisão, junto ao pelourinho, observam-se fósseis, como trilobites encontrados na serra da Achada, um pedaço de uma telha datada de 1573, pontas de seta e um peso de tear, entre muitos outros artefactos, alguns com cerca de 300 milhões de anos.
Respirar ar puro
A caminho de Oleiros, a serra do Muradal é uma boa (e inesperada) companheira de viagem. A sua beleza natural, polvilhada por pinheiros e castanheiros, abre o apetite para a paragem (obrigatória!) que se segue, a oito quilómetros: a Adega dos Apalaches, na aldeia de Roqueiro. Há que ir com reserva feita antecipadamente, para garantir lugar à mesa, e com apetite para o verdadeiro repasto que o espera. Ali, às oito da manhã começam os preparativos do cabrito estonado, um prato com receita exclusiva de Oleiros, servido à hora de almoço. “Somos nós que temos de esperar pelo cabrito e não o cabrito por nós”, salienta Fernando Carvalho, proprietário da Adega dos Apalaches, juntamente com a irmã. Antes de ir ao forno a lenha, durante três horas, o cabrito (não pode ter mais de dois meses e cinco a seis quilos) é mergulhado em água a ferver, pelando-se à medida que se vai escaldando. Depois desta tarefa, segue-se a marinada em banha, manteiga, alho, pimenta, sal, entre outros ingredientes. À mesa, chega acompanhado por batata de forno, couve, arroz de feijão e o molho, à parte (€25, inclui entrada e bebida).
Com o estômago devidamente aconchegado, e para ajudar na digestão, aproveite-se a proximidade de Oleiros, para conhecer o projeto Arte à Porta que veio dar nova vida à zona histórica desta vila. São 39 portas (de um total de 85), pintadas pela mão de vários artistas locais e nacionais. Fazendo uso da sinalética, ao longo das várias ruas, a visita sugere também a Rota do Religioso que se estende por dez igrejas e capelas, entre elas, a Igreja Matriz erguida no século XVI, destacando-se o retábulo em talha e o camarim do altar-mor. Ligadas pelo património religioso, também a aldeia de Álvaro, que pertenceu à Ordem de Malta e que atualmente integra a Rede das Aldeias do Xisto, merece o desvio para se visitar as suas seis capelas com um importante espólio de arte sacra. Sobranceira ao rio Zêzere, aqui respira-se ar puro e estamos em comunhão com a Natureza. Para memória futura, e já a deixar saudades, fica a paisagem de montes e serras que se estende até à serra da Estrela.
Retrato da Beira Baixa
Mais do que mostrar a biodiversidade da região, o documentário Das Pedras Fez-se Terra – Histórias da Beira Baixa, com argumento e realização de Madalena Boto e produzido pela Lx Filmes, dá cara e voz a pessoas que vivem na região da Beira Baixa. Um ultramaratonista corre uma prova de 281 quilómetros, mostrando superação e resiliência; uma ilustradora, dedicada ao ensino, encontra inspiração nestas paisagens e uma equipa de geólogos analisa o risco de deslizamento dos grandes blocos de rochas que ali estão há centenas de milhares de anos, entre outras pessoas e narrativas. “Além de focar as especificidades da geologia e do clima, quisemos retratar os desafios de viver neste território e a capacidade de adaptação dos seus habitantes”, resume Madalena Boto. O documentário, de 45 minutos, é o resultado de um trabalho de cerca de dois anos, entre filmagens, escrita, pesquisa, montagem e acertos. “O nosso objetivo é que tenha exibição televisiva noutros países, nesse sentido, estamos a trabalhar com um distribuidor internacional”, salienta a realizadora.
GUIA DE MORADAS
COMER
Palitão
Neste restaurante de cozinha tradicional, destacam-se os filetes de polvo com arroz de feijão e legumes. Av. de Espanha, Lt. 17, Castelo Branco > T. 96 663 2540 > seg-sáb 12h-15h, 19h-23h
Adega dos Apalaches
R. Sra. das Neves, Roqueiro, Oleiros > T. 93 402 8365 > qui-sáb 12h-15h, sex-sáb 20h-23h
Cabra Preta
Pratos da cozinha beirã, como a prova de chouriço, preparada com a carne da matança do porco, e o ensopado de veado. R. de Santa Maria, 13, Castelo Branco > T. 272 030 303 > seg, qui-dom 12h-15h, 10h-22h, qua 19h-22h
VER
Fábrica da Criatividade
Alameda do Cansado, Castelo Branco > T. 272 330 370
Centro de Interpretação do Bordado de Castelo Branco
Pç. Camões, Castelo Branco > T. 272 323 402 > ter-dom 10h-13h, 14h-18h > €1,50
Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco
Campo Mártires da Pátria, Castelo Branco > T. 272 348 170 > ter–dom 10h-13h, 14h-18h > €3
Centro Interpretação Arte Rupestre Vale do Tejo
R. Dr. José Pinto Oliveira, Vila Velha de Ródão > T. 272 540 319 > ter-sex 9h-12h30, 14h-17h30, sáb 10h-13h, 14h-18h > grátis
Associação Clube Raia Aventura
Organiza diferentes atividades na região, entre elas, paintball, tiro com o arco, escalada, rappel, slide e descidas no rio.
R. da Piscinas, Castelo Branco > T. 96 276 5105
Museu Cargaleiro
R. dos Cavaleiros, 23, Castelo Branco > T. 272 337 394 > ter-dom 10h-13h, 14h-18h > €2
Vila Portuguesa
Passeios de barco no rio Tejo. Cais Fluvial de Vila Velha de Ródão > T. 272 541 138 >a partir de €12,50 (1 hora)
App Visit Beira Baixa
Aplicação, desenvolvida pela Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa, com hotéis, restaurantes e pontos de interesse.
DORMIR
Quinta dos Carvalhos
Casa senhorial, com cinco quartos duplos, terraço e duas piscinas, apenas pode ser alugada na sua totalidade. N18, KM 102,6, Castelo Branco > T. 91 275 3256 > a partir €500