Pode parecer um elemento meramente decorativo, mas nele se encontra uma da chaves do novo livro de Alberto Manguel. Monstros Fabulosos (Tinta-da-China, 232 págs., €17,90), que recolhe 38 textos sobre outras tantas personagens da História da Literatura, é acompanhado por ilustrações do autor. Nesta “curiosidade” ecoa a longa tradição dos copistas medievais, que demoravam anos a copiar um original e, muitas vezes, faziam desenhos nas margens. Era, em poucas palavras, um trabalho longo. Os desenhos de Manguel, por mais simples que se apresentem, também denunciam essa duração. Podem até ser repentinos, mas nascem de uma intimidade que o escritor e ensaísta argentino criou ao longo dos anos (e das leituras) com estas personagens. É isso que lhe permite navegar livremente, com erudição e delicadeza, no tempo e no espaço, numa imensa geografia literária e cultural. Ao falar desta ou daquela figura, o autor de Uma História da Leitura ou A Biblioteca à Noite também fala do mundo em que vivemos, das notícias que nos assustam e das injustiças que se perpetuam. Manguel sabe que estas criações do génio humano “são impossíveis de prender entre as capas dos seus livros”. Não só vivem dentro de cada leitor, renascendo a cada releitura, como se afirmam como espelhos da existência humana.
A esta intemporalidade se devem a singularidade e o assombro deste livro, tal como ao seu título. Na sua tipologia, Monstros Fabulosos é, ao fim e ao cabo, um catálogo de personagens. Mas tentar perceber como cada uma se encaixa na conjugação de monstruosidade, que também é prodígio, e de fábula, que também é sabedoria, revela-se um jogo sem fim. Da Alice de Lewis Carrol ao Mandarim de Eça de Queirós, do Super-Homem ao Drácula, d’A Bela Adormecida ao Quasimodo, de Monsieur Bovary ao Wakefield, estas são muitas outras vidas (e formas de ver e entender o mundo) que cada leitor pode viver.