Ela acredita que a morte das pessoas está inscrita nos mapas astrais, assim como os animais têm a sua própria linguagem. Tem as suas “maleitas” e ataques de “ira”, mas confia nas suas “teorias” para recuperar a força e continuar a sua cruzada. Conduz o Teu Arado sobre os Ossos dos Mortos, de Olga Tokarczuk, começa com o desconcerto da sua personagem principal. É o segundo romance da escritora polaca, recentemente distinguida com o Prémio Nobel da Literatura, publicado em Portugal. E, à semelhança de Viagens, pertence à casta dos livros inclassificáveis. O desconcerto nunca nos abandona. Ora estamos numa comédia improvável, ora num intrincado policial de pequena comunidade, ora num romance político de fronteiras e subsídios, ora num manifesto verde e animal. E tudo se conjuga numa prosa admirável, de preciosos detalhes e subtil caracterização das personagens e do nosso tempo.
Sobre Janina Duszejko, a narradora, falta dizer que não come carne e que criou um cemitério de animais injustamente assassinados. Antiga engenheira, construtora de pontes na Síria, divide-se agora entre o ensino de Inglês e a guarda de casas alheias. Mas a morte do vizinho perturbará o equilíbrio que encontrou nos últimos anos. E, assim, o que de início parecia um romance rural, torna-se, aos poucos e em crescendo, uma inteligente e divertida parábola das sociedades modernas, em que tudo se divide entre “útil” e “inútil”. Até a vida.