Tem sido possível acompanhar a história recente da Venezuela através da sua literatura, mesmo sabendo que de lá chegam a Portugal pouquíssimas traduções. Os ingleses chamam a estes romances rapid-response fiction, salientando a forma como se procura reagir em cima do acontecimento, como se fazia mais regularmente no século XIX e como também se tem visto no Reino Unido, em relação ao Brexit, e em Espanha, a partir da geração mileurista.
A estreia literária da jornalista Karina Sainz Borgo, Cai a Noite em Caracas, é um bom testemunho desse empenhamento na vida do seu país, que passa, em primeiro lugar, pela divulgação do que se está a passar hoje. Já Pátria ou Morte, de Alberto Barrera Tyszka, de 2015 e publicado em Portugal em 2017, rimava com essa intenção. A doença de Hugo Chávez, primeiro escondida, depois oficial e discutida por todos, era o pano de fundo do retrato social de uma Venezuela suspensa, incerta do seu futuro.
Em Cai a Noite em Caracas, o estado de sítio tomou conta dos destinos do país. Onde em Tyszka havia humor e esperança, em Borgo apenas há desespero e fuga. Não há datas precisas nem personagens históricas convocadas. Tudo funciona na esfera da alegoria e da metáfora, mas facilmente se percebe que o romance dialoga com as notícias que chegam da Venezuela. Com a morte da mãe, o mundo de Adelaida aproxima-se de um abismo. Por um lado, porque precisa de desfazer a casa materna (o passado), por outro, porque a sua própria casa (o presente) foi ocupada por um grupo de mulheres afetas ao regime. A solução passará por assumir a identidade de outra mulher e construir um novo destino (o futuro). Alternando capítulos que fazem avançar a narrativa com outros que recordam as raízes da narradora, Cai a Noite em Caracas é um romance intenso e, por vezes, violento, oscilando entre a denúncia a preto-e-branco e o retrato expressivo de um país transformado em incógnita.