O que faz da cervejaria Ramiro uma casa única? A jornalista Alexandra Prado Coelho não tem dúvida: “O lado familiar, serviço correto que nos faz sentir em casa, não ser pretensioso e manter a ementa o mais simples possível: marisco, pão torrado, cerveja, o vinho, o presunto Cinco Jotas e o prego.”
Para escrever o livro Ramiro – Cervejaria, editado pela Plátano Editora, Alexandra Prado Coelho, jornalista do Público, e Paulo Barata, fotógrafo e organizador do festival gastronómico Sangue na Guelra, viveram muitas aventuras, dentro e fora desta marisqueira aberta a 7 de abril de 1956, na Avenida Almirante Reis, em Lisboa. A história deste lugar – contada a partir dos testemunhos da família, funcionários, amigos do fundador e ainda de fornecedores da casa – começa alguns anos antes, no tempo em que Ramiro era ainda um miúdo e dormia dentro de uma caixa de cerveja, debaixo do balcão da pequena carvoaria gerida pelos seus pais, ponto de encontro de trabalhadores que ali iam beber um copo de vinho, uma tradição galega que ganhava força na restauração portuguesa.
Já em crescido, Ramiro interessa-se pelo negócio familiar e pelas idas ao Mercado da Ribeira, onde gostava de falar com as peixeiras e de fazer as compras. Nesta altura, a casa servia apenas petiscos para acompanhar o vinho. “A cerveja não tinha tanta saída”, nota Alexandra Prado Coelho. Com o passar dos anos, Ramiro foi introduzindo o marisco, o que lhe trouxe o estatuto de marisqueira/cervejaria. Ao longo das 237 páginas, fica-se também a saber que, nessa época, os clientes atiravam as cascas do marisco para o chão. “O sucesso de uma casa media-se pela quantidade das cascas”, conta a jornalista. Em Ramiro – Cervejaria, recorda-se ainda a relação próxima do proprietário com os seus funcionários, principalmente os mais antigos, ali tratados como família. “Era como se fosse um pai para eles, criava relações de lealdade e pagava de uma forma justa”, acrescenta Alexandra Prado Coelho.
Numa edição bilingue, em português e inglês, o livro abre com a história da cervejaria, na qual se inclui um capítulo dedicado ao turismo, para falar como, aliado à qualidade do marisco, a passagem de Anthony Bourdain, o conhecido apresentador do programa No Reservations, e outros programas exibidos no Japão e na Coreia, foram fatores determinantes. A segunda parte é dedicada aos produtos que distinguem o Ramiro: o presunto, as amêijoas, os percebes, as ostras, os viveiros, a cerveja e o café.
Os textos são acompanhados pelo trabalho fotográfico de Paulo Barata, ao género portfolio, que traça um olhar por dentro do funcionamento da cervejaria, bem como visitas aos fornecedores e os produtos icónicos da Ramiro, não esquecendo de incluir um capítulo dedicado à sustentabilidade. Das várias aventuras vividas, Paulo Barata recorda a ida, num pequeno barco, às Berlengas para fotografar os apanhadores de percebes: “Foi o momento que mais adrenalina me provocou, pela dificuldade em fotografar com as ondas. Percebi o quanto é arriscado capturar os percebes”. Também em Vila Real de Santo António, Paulo Barata lembra a chegada do marisco à lota. “Deixou-me muito triste perceber que os nossos recursos naturais estão à beira do fim. Será que os nossos chefes de cozinha e os consumidores portugueses sabem que algumas espécies de marisco estão à beira do fim?”, levanta a questão.
De todas as cozinhas onde já entrou para fotografar, em Portugal e pelo mundo, Paulo Barata diz que a da cervejaria Ramiro foi a “mais intensa, quente e frenética”. “Fui recebido com alguma desconfiança e tive de provar que merecia estar ao lado deles. Foram muitas horas passadas, inclusive no dia 24 de dezembro, para provar que vestia a camisola. Ainda fiquei com algumas queimaduras, as cozinhas são exíguas e tinha de me movimentar muito rápido para não interferir no trabalho da equipa”, recorda.
Depois do livro concluído, Paulo Barata confessa: “Fiquei ansioso e nervoso por saber que ia ser visto por chefes de cozinha, por muitas pessoas ligadas à restauração, pelos clientes de longa data do Ramiro. Senti a responsabilidade de não poder falhar e de estar à altura de um sítio tão especial”.
Folheando o livro, diríamos que apetece ficar a devorar, vagarosamente, página a página, como se estivéssemos na cervejaria, a comer um dos pitéus da ementa.