Um aniversário pode ser ao mesmo tempo festivo e melancólico, sombrio e luminoso, coletivo e solitário, humilde e sumptuoso. A música de Claudio Monteverdi (1567-1643) também é tudo isso, e nenhuma obra o ilustra melhor do que as Vespro Della Beata Vergine. Quando passam 450 anos sobre o nascimento do compositor, sai uma nova edição de uma interpretação de referência com características especiais. O local da gravação – a Basílica de São Marcos, em Veneza – terá sido aquele para onde Monteverdi concebeu estas Vésperas (embora a estreia acontecesse em Mântua) e o maestro utiliza o espaço para obter efeitos sonoros de distância e reverberação semelhantes aos originais.
Para o maestro John Eliot Gardiner, a gravação de 1989 foi uma comemoração de bodas de prata. Em 1964, estudante em Cambridge, reuniu um grupo e dirigiu as Vésperas na célebre capela do King’s College. O feito lançou não a sua carreira e a do seu coro Monteverdi. O chamado movimento da música antiga estava a começar e as Vésperas prestes a serem redescobertas. A primeira gravação foi publicada em 1967; outras três dezenas surgiram desde então (incluindo uma primeira versão de Gardiner em 1974) e hoje a obra é considerada tão importante na fase inicial do barroco como a Missa em Si, de Bach, o é na fase final.
As circunstâncias originais são curiosas. Em 1610, Monteverdi queria mudar de emprego. Já tinha escrito a ópera Orfeo, mas era conhecido sobretudo como autor de madrigais (composições sobre poemas onde não é raro a música mudar de cor numa única palavra ou sílaba). As Vésperas terão sido a sua “proposta de candidatura” para o cargo de maestro em São Marcos, e não admira que resultassem, dada a riqueza e intensidade do material. Na primeira parte, salmos corais alternam com peças para solistas. Depois vem uma sonata instrumental (entremeada com apelos à Virgem), seguida por um hino e dois Magnificats. O sentido dramático e a variedade de cores justificam que Gardiner não se deixe limitar por excessos de purismo. Claras e esplendorosas, estas Vésperas poderão ser a coisa mais próxima que há do paraíso musical.